sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Papo verde

Compartilho um papo verde que venho tendo com um amigão todo entendido de ecologia, natureza e coisas a afins, dono de um sorrisão maravilhoso e de uma cachorrinha que é atriz! Na conversa, alguns mitos estão desabando. 

Grande Bruno,

Então, não sou vegetariano mas sou simpatizante. Porém, aprendi que precisamos de um 
pouco de proteína animal na nossa dieta. E que boa parte do ferro consumido de origem 
vegetal não é assimilado adequadamente pelo organismo. 

Comecei uma discussão (a partir do vídeo da Odete) com uma colega,
também simpatizante, e ela me perguntou se comer peixe está fora da lista (pensando no 
aspecto ecológico da questão -- terras agriculturáveis, grãos, desmatamento, efeito estufa 
e etecéteras). Fiquei sem resposta. O que você acha?

A questão, pelo lado do sofrimento animal, já é mais complicada. Pois, veja: os animais, 
salvo melhor juízo, "amam"  a natureza muito mais do que nós, mas também comem carne.
Assim posto, quando comemos carne estamos, a priori, exercendo nosso lugar na cadeia
alimentar. Não é? Talvez devessemos, a exemplo de tantas outras posturas consumistas
da modernidade, diminuir o nosso consumo de proteína animal -- meu cardiologista 
adoraria que eu fizesse isso, pois sou hipercolesterolêmico.

Estou com saudades de você: não moro mais no centro, então, tem sido raro encontrar 
os urbanados de SP. Espero que esteja tudo bem contigo. Mande sempre notícias.

Abração,

Jorge

Resposta do Bruno Carmo:

Oi Jorge!
 
Legal você escrever! 
Na verdade, essas suas dúvidas são muito parecidas com as que eu tinha também.
Sobre a proteína, tudo não passa de um mito, criado pela mídia, pelos pecuaristas, pelas empresas do setor, por médicos charlatães e por bombados de academia. Estou te enviando alguns artigos científicos bem atuais que desmentem o mito de que o ser humano precisa comer carne para obter a quantidade necessária de nutrientes.
A proteína é a maior mentira que contam pra gente desde a escola. Os vegetais têm muita proteína, claro que uns mais que outros e as frutas menos. Mas é muito fácil conseguir proteína de fontes vegetais, mesmo sem comer soja. Os feijões, ervilhas, grão-de-bico, lentilha já têm proteína suficiente para substituir um bife em qualquer refeição. 
E eu desafio qualquer carnívoro a encontrar um vegetariano com deficiência de proteína, heheh! É muito difícil alguém ficar com deficiência de proteína, então esse não é um medo que os vegetarianos precisam ter.
Quanto ao ferro, temos aí outro mito. Na verdade, o que acontece é que a deficiência de ferro é a deficiência nutricional mais comum no mundo! E, mais interessante ainda, ela é tão frequente entre vegetarianos quanto entre onívoros. Ou seja, a dieta vegetariana não gera mais anêmicos que a dieta onívora, ao contrário do que o senso comum pensa. 
Tem um médico muito legal que escreveu uns livros bem bacanas sobre isso (Alimentação sem carne; Virei vegetariano, e agora?), o Dr. Eric Slywitch. O ferro vegetal é diferente mesmo do ferro animal -- e tem uns truques (como utilizar vitamina C perto das refeições, deixar os grãos de molho um dia antes de cozinhar e reduzir o consumo de café e chás) para aproveitar ao máximo o ferro dos alimentos. Mesmo assim, quem é vegetariano não tem que tomar mais cuidado com o ferro, pois todo mundo está sujeito a uma deficiência desse mineral.
 
Vamos aos peixes. 
 
A pesca hoje é uma das atividades mais predatórias que o homem executa. Como ela é feita em larga escala, com redes imensas, a pesca industrial está varrendo literalmente os mares, matando não apenas os peixes comerciais, mas tudo o que estiver junto também. Na verdade, estima-se que daqui a uns 20 ou 30 anos, a maioria das espécies comerciais de peixes não existirá mais, de tão predatória que é a pesca atualmente. Os governos e as empresas não estão nem aí, pois, como sabemos, só pensam no lucro imediato, e essa é uma atividade altamente lucrativa. 
 
Além disso, sendo o mar o maior depósito de todo tipo de porcaria química que o homem já produziu, nunca se sabe se dentro daquele inocente salmão ou atum estão doses cavalares de insumos químicos da agricultura ou, pior, metais pesados como chumbo ou mercúrio (que se concentram na gordura desses animais).
 
Finalmente, o sofrimento animal. 
 
Confesso que, por muito tempo, me mantive insensível a essa questão. Inclusive usava também o argumento da cadeia alimentar. Afinal, é natural comer carne. Os filmes me ajudaram a buscar outros argumentos sobre a ética do consumo de animais e comecei a pensar diferente. 
Acredito que devemos lembrar que o homem é o único animal capaz de fazer escolhas realmente conscientes, já que ele não é só movido pelo instinto. Assim, há muitas coisas que fazem parte do nosso instinto (ou seja, são naturais) mas nós não fazemos, pois vivemos em sociedade, consideramos errado e tal. 
Por exemplo, quem nunca teve vontade de esmurrar alguém e não refreou esse instinto? A violência é natural, mas nós consideramos certo refreá-la, pois analisamos as consequências e conseguimos nos colocar no lugar dos outros. Acredito que a ética se origina na capacidade de escolha. 
É a possibilidade de escolha que cria o certo e o errado. A viúva-negra mata o macho após a cópula, mas nós não julgamos isso como certo ou errado, pois ela não tem escolha, ela apenas segue algo que está geneticamente programado e que a gente chama de instinto. Se fosse uma mulher fazendo isso, seria completamente errado, pois ela tem possibilidade de escolha. Se eu posso escolher, existe uma opção que é mais certa que a outra, geralmente. E se eu posso me alimentar sem causar sofrimento, acredito que seja mais certo. Assim, por mais que o argumento da cadeia alimentar tivesse sido conveniente para mim por muito tempo, tive de abandoná-lo. Acredito que o ser humano tem o dever de cuidar das outras espécies, como um curador coletivo de um grande museu vivo.
Espero ter respondido suas perguntas!
Continuamos no contato!
Abração!
Saudades!
Bruno

4 comentários:

Alexandre Rodrigues Lobo disse...

Amigo Jorge
Ainda continuo achando um grande blá blá blá toda essa história. Em todo o caso, vale algumas breves considerações:
1- ptn da carne x ptn vegetal: diferem na composição dos seus elementos básicos (aminoácidos) e possuem digestibilidades diferentes. Claro que existem os tais "truques" culinários mas não dá para comparar uma coisa com a outra.
2- Ferro: o Fe presente em alimentos vegetais (não-heme) sofre interferência de outros componentes da dieta; o da carne (heme) não. Também, os tais "truques" podem ajudar em alguma coisa. Nesse caso, é sempre bom pensar que o Fe não é uma entidade única, de modo que não é apenas a sua mera absorção intestinal que vai dizer que ele exercerá sua função no organismo. Vale lembrar que outros nutrientes, que influenciam na sua homeostase (principalmente na medula óssea), são encontrados somente nas carnes...
3- e, por fim, acho que essa discussão de comer ou não comer carne por causa dos animais, acho também uma grande papagaiada... preocupo-me muito mais com a pessoa do meu lado do que com o bicho. É a tal animalização do ser humano... ou humanização dos bichos... acho que quem não tem o que comer, não está tão preocupado com isso...

Bitucas

Alexandre

Paula K. disse...

Oi Jorge!!!
Olha, não consigo me imaginar trocando uma boa Carne de Sol assada (acompanhada com arroz branco, farinha d'água, paçoca de carne seca e pirão de queijo) por alguma salada, legume, soja... Prefiro juntar tudo!!! Rs... Na verdade, acho que o segredo é não exagerar. Acredita que emagreci aqui?
Ótimo fds!!!
Bjinhos, Paula K.

Jorge de Lima disse...

Paula K: preciso que você me dê esta receita: come carne de sol, farinha, paçoca de carne seca e pirão de queijo e ainda emagrece! Eu, só de ver uma foto de comida, já ganho 1 kg de peso. Abração, Jorge

Bruno Carmo disse...

Gostaria de discutir o primeiro comentário, feito acima. A questão da digestibilidade da proteína é verdadeira, a proteína animal é mesmo mais absorvida. Só que isso não tem importância nenhuma, já que os vegetais têm proteína em quantidade mais que suficiente pra suprir qualquer pessoa. Novamente, desafio qualquer um a encontrar um vegetariano com deficiência de proteína.
Quanto ao ferro, acho que vale lembrar novamente dos estudos populacionais. Se o fato de o ferro da carne (heme) ser absorvido mais facilmente fosse realmente o mais importante, esperaríamos encontrar uma frequência de vegetarianos anêmicos maior que onívoros anêmicos, certo? No entanto, não é o que ocorre. A deficiência de ferro é a deficiência mineral mais comum do mundo, e é tão frequente em populações vegetarianas quanto populações onívoras, o que também derruba esse mito de que o vegetariano não absorve ferro em quantidade suficiente.
Quanto ao terceiro argumento, o da papagaiada, não tenho muito mais o que dizer. Resta só esperar que as pessoas possam lidar melhor com a alteridade, que lembrem que podem sentir compaixão e que a alimentação não precisa estar baseada na violência.
Abraços a todos!
Bruno