domingo, 6 de agosto de 2017

Prêmio Nobel Doméstico



Como é conhecido de alguns, minha mãe de criação não foi formalmente apresentada às letras; portanto, não sabe ler e escrever e, por isso, guarda, para as palavras escritas, aquele respeito que se tem ante ao mágico e desconhecido. Ela lutou, a vida toda, para que todos aqueles muitos filhos e filhas, dela e de outros – que coube-lhe criar e educar –, frequentassem as cadeiras escolares e aprendessem o que ela quis e não pôde deter: a leitura. Desde que chegou aqui em casa, indaga-me sobre um livro de antologia, no qual, 20 poucos anos atrás, saíram três textos ruins de minha autoria. Dói só de lembrar. A “façanha literária” hoje frequenta algum lugar esquecido da minha estante. Como eu me recusara a procurar o livro, para que ela, tendo-o à mão, pudesse seguir exibindo orgulhosa o “enorme talento” do sobrinho “poeta”, ela, hoje, parou em frente à estante, contemplando-a. Vi, pelo canto do olho, que que tia Hilda tateava, com os olhos, as várias lombadas dos muitos livros para reconhecer o seu troféu de mãe que tem um filho “escritor”. Levantei, caminhei até ali e retirei o livro do lugar onde foi por mim esquecido – mas, por ela, não. Entreguei-lhe enquanto ela me dizia: “é que essa sua poesia mexe comigo”. Ganhei o domingo, claro: numa estante frequentada por Drummond, Bandeira, Dostoievski, Shakespeare e tantos outros, ser o autor preferido de alguém mexe com os brios de qualquer um. Quem precisa de Prêmio Nobel quando já tem uma tia-mãe-fã?
 Itanhaém (SP), 6 de agosto de 2017.

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