UNIVESP
– Curso de Pedagogia
Disciplina: Sociologia da Educação
Semana
1 - A Sociologia da Educação na compreensão da educação escolar: conceitos e
reflexões iniciais. Marx e a educação
joralimaTEXTO
Os
objetivos dessa semana são:
1.
Entender o que é Sociologia da Educação e as relações entre alguns fundamentos
sociológicos e as especificidades da Educação.
2.
Compreender a escola como instituição social e suas funções sociais.
3.
Refletir sobre a relação entre a escola pública e as desigualdades sociais.
4.
Compartilhar com seus colegas as possibilidades de entendimento dos conceitos
estudados e a crítica que se faz hoje às políticas educacionais.
Videoaula 1
Sociologia e o campo de estudo da
sociologia da educação
A
ciência sociológica surgiu para explicar a vida social no capitalismo; se
organiza e se divide em diversas disciplinas. Florestan Fernandes afirma que a
sociologia pode ser usada para investigar qualquer fenômeno social. A
Sociologia da Educação se ocupa de examinar os fenômenos educativos. Para
Pierre Bourdieu, a SE estuda as relações entre produção cultural e reprodução
social e tem por objeto estabelecer a participação do sistema de ensino na
reprodução da estrutura das relações de força e das relações simbólicas entre
as classes. Para ele, “o modo de reprodução contempla uma dominante escolar”.
A função da escola
A
educação é uma exigência para suprir a incompletude do ser humano. A humanidade
elegeu a escola para realizar essa tarefa. A escola cumpre sua função social ao
produzir e reproduzir relações sociais. Para Marilia Torres Reis (UNESP), cada
grupo social vê a escola a partir dos seus interesses sociais, culturais e
políticos. A escola não é neutra, nem igualitária. Dentro dela, a educação
reflete valores, ideologias e intenções dos diferentes grupos que disputam um
lugar na hierarquia social.
Os fenômenos
contemporâneos de socialização podem ser pensados para além da escola?
Por
conta das mudanças sociais, demanda-se um olhar ampliando para as novas
características de formação e desenvolvimento das novas gerações, de modo que a
sociologia busca compreender: as famílias, os grupos de pares formados por
afinidades, as diversidades de associações, as trocas de informações na esfera
pública, os movimentos sociais e as mídias sociais. Para a Profa. Marilia Sposito,
“ocorre o reconhecimento da perda do monopólio cultural da escola, e a cultura
escolar – apesar de sua especificidade – tende a se transformar em uma cultura
dentre outras”.
A escolarização da sociedade
O
processo de escolarização é o mais importante processo social vigente no país.
O sistema escolar está orientado constitucionalmente para atender a totalidade
de crianças, jovens e adolescentes. É o processo formal, mais longo,
intencional e consciente, sendo destinado a suprir os indivíduos com as
ferramentas que permitem compreender a natureza, a cultura e a sociedade.
Como adequar o ensino às características
das novas gerações?
Para
Sposito, a escola atinge setores que não atingia antes. O sistema de ensino
hoje precisa dar conta de atender um segmento de jovens cujos pais não tiveram
o mesmo acesso à escola. Trata-se da primeira geração com a escolaridade mais
prolongada.
A que forças sociais, internas ou
externas, a escola se submete?
Forças
externas: rendimento econômico das famílias, o contexto familiar (cultura,
valores, modos de vida), a mídia, a comunidade, as religiosidades, as
associações de classe.
Forças
internas: as políticas públicas, a legislação educacional, os recursos de
mantenedores (públicos ou privados), a estrutura e o regime escolares
(regulamentos, disciplinas, educadores, funcionários).
A manifestação das forças sociais externas
da escola
Marilia
Sposito: “Se a vida escolar é amplamente determinada pelas relações sociais
externas a ela, em seu interior não ocorre a mera transposição: há recriação,
transformação ou produção de novas relações sociais”. Para Sposito, há três
mecanismos de socialização e reconhecimento, próprios da cultura de rua, que
intervêm na escola, modificando-a: 1. a própria cultura de rua; 2. os
comportamentos difusos e latentes, que podem ser exacerbados e concretizados,
em função das trocas sociais serem mais intensas no ambiente escolar (racismo,
preconceito, patriarcalismo, machismo); 3. a escola segue sendo um território
separado do mundo dos adultos para grande parcela de jovens e adolescentes.
Forças de relações
sociais internas à escola
Políticas
públicas educacionais. Políticas públicas são um conjunto de disposições,
medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do estado e regulam
as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público. As políticas
públicas educacionais escolares são aquelas que traduzem as ações do Estado em
relação a educação escolar. A política pública atinge a todos, seja pelo
envolvimento do cidadão ou por sua exclusão.
Educação redentora
Émile
Durkheim. Sustenta-se na ideia de que a educação resolverá os problemas da
sociedade, não considerando que a escola está inserida nesta sociedade e,
portanto, toma parte de seus problemas, sem necessariamente, conseguir
tornar-se a solução.
Educação
empresarial
Critérios
tecnicistas aplicados à educação; envolvem planejamento sistemático, relação
custo-benefício, otimização do sistema e da relação idade-série (priorizando a
superação do “congestionamento” causado pelos alunos reprovados nas séries
iniciais). Também tem ideia redentora que segue até hoje, naturalizada.
Educação
empresarial
Evidencia
a assimilação das teorias econômicas pelo setor educacional, com base nos
apontamentos dos economistas da educação, que fazem com que a educação ganhe perfil
de empresa e o aluno de produto final – que deve ser trabalhado nessa estrutura
empresarial, de modo que seja cada vez mais um produto perfeito para o fim ao
qual se destina; um vínculo evidente à ideia de capital humano.
Como
efeito negativo da aplicação da educação empresarial (vigente): 1. não há mais
reprovados, evitando congestionamentos no fluxo do sistema escolar; 2. inclusão
excludente: estudantes que completam o ciclo educacional, mas sem apropriação
dos conhecimentos que deveriam ser decorrentes do grau de escolarização oficialmente
alcançado.
Como
conclusão, tem-se que a saída do jovem, aos 15 anos, depois de ter permanecido
na escola por quase uma década, na condição de iletrado ou de analfabeto
funcional, é um problema social, educacional e escolar que precisa de atuação
coletiva para ser superado.
Videoaula 2
Clássicos da
Sociologia – Karl Marx
Misto
de dramatização e documentário, o vídeo tece reflexões, a partir de cenas (e
comentários sobre) do filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, sobre Karl
Marx e sobre o pensamento marxista. Conta com depoimentos dos pesquisadores Gabriel
Cohn (USP) e Antonio Carlos Mazzeo (UNESP).
Para
Cohn: Marx descreveu que o capitalismo criou, em sua dinâmica, uma nova
configuração social; uma nova classe. No modelo idealizado por Marx, chegaria
um momento que a sociedade se constituiria de uma associação livre de homens
livres. Isso é o marxismo. O mais
próximo disso, contudo, foi a experiência soviética de socialismo, que, do
ponto de vista prático, não funcionou. Segundo Cohn, o marxismo não pensou a
educação, mas tem sido aplicado pelos pensadores da educação, para interpretar
a maneira como a educação funciona, reproduzindo as dinâmicas capitalistas. Para
Mazzeo, Marx externou o conceito de mais-valia, demonstrando seu funcionamento
dentro da expropriação da força de trabalho do proletário. Hoje, alguns de seus
conceitos são patentes, como, por exemplo, a reificação do ser humano (exemplo:
mulheres nas capas de revista à venda em bancas de jornal).
Vídeo de Apoio 1
Contribuição da
Sociologia da Educação para a compreensão da educação escolar | UNIVESP TV
O
vídeo faz a leitura e a sumarização do texto da professora Marília Freitas de
Campos Tozoni-Reis, “A Contribuição da Sociologia da Educação para a
Compreensão da Educação Escolar”.
Fichamento
dos textos
1.
Tozoni-Reis,
Marília Freitas de Campos. A Contribuição
da Sociologia da Educação para a Compreensão da Educação Escolar.
A escola como instituição social
“Pensar
a escola na perspectiva da Sociologia da Educação implica, em primeiro lugar, que
pensemos sobre a relação entre educação, escola e sociedade” (p.1). “Temos aqui
a afirmação de que o processo educativo é um processo de formação humana, isto
é, um processo em que todos seres humanos – que nascem inacabados, do ponto de
vista de suas características humanas – são produzidos, construídos, como
humanos. É um processo – histórico e social – de tornar humanos os seres
humanos” (p.1). “Marx (1993), no mais importante de seus textos sobre a
concepção de homem, os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, desenvolveu uma
concepção de homem como ser natural, universal, social e consciente” (p.2). “Merece
destaque o processo de preparação para o trabalho ao qual eram submetidos os
jovens aprendizes de ofícios nas sociedades pré-industriais – como os
apresentados por Enguita (1989). A família [era a] principal instituição social
responsável pelo processo de formação humana para convivência naquelas sociedades,
em especial, como instituição responsável pela formação para o trabalho: além da
família de origem, muitos jovens aprendizes eram encaminhados a outras famílias
para a aprendizagem dos ofícios” (p.2). “Se, em períodos históricos anteriores,
a família foi a principal responsável pelo processo de formação dos sujeitos
para a integração na sociedade, a modernidade – com suas profundas transformações
– buscou uma nova instituição que se responsabilizasse pela formação humana
para este novo modo de organização da vida social: a escola” (p.2). “As
profundas modificações nas formas de organização das sociedades, no final da
Idade Média, culminaram com as revoluções do século XVIII, caracterizadas pela
ascensão da classe social denominada burguesia
e a implantação na Europa de um novo modo de produção – base da organização
social – o capitalismo. Foi a partir
da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, que o
capitalismo consolidou-se. Do ponto de vista econômico, tem início um processo
intenso e contínuo de exploração do trabalho em grandes proporções, geração de
lucro e acumulação de capital. Do ponto de vista político e social, a
aristocracia perde o poder político para a burguesia urbano-industrial,
surgindo ainda uma outra classe: os trabalhadores
(ou operários). Isso tudo implicou em profundas modificações nas práticas
sociais, em especial, no modo de produção” (p.3). “Somente na modernidade, a
escola assume o papel de uma instituição educativa significativa na sociedade
para a organização do processo educativo socialmente representativo. O
historiador Áriès, no conhecido História
Social da Criança e da Família, desenvolveu também a tese de que a escola é
uma instituição da sociedade moderna, assim como a sua correlata: a infância,
tal como a entendemos hoje. Na Idade Média, a infância se limitava ao período
inicial da vida no qual a criança dependia do constante cuidado de adulto, mãe
ou ama. A partir desse limite, ela ingressava no mundo dos adultos – não se
distinguindo mais destes. A dilatação do período da infância foi correlata de
uma transição da escola que durou do século XV ao século XVIII. A escola foi ‘um
meio de isolar cada vez mais as crianças durante um período de formação tanto
moral quanto intelectual, de adestrá-las, graças a uma disciplina mais
autoritária, e, desse modo, separá-la da sociedade dos adultos’ (ARIÈS, 1981,
p. 165)” (p.3). “A regularização do ciclo anual das promoções, o hábito de
impor a todos os alunos a série completa de classes, em lugar de limitá-la a
alguns apenas, e as necessidades de uma pedagogia nova, adaptada a classes
menos numerosas e mais homogêneas, resultaram, no início do século XIX, na
fixação de uma correspondência cada vez mais numerosa entre a idade e a classe (ARIÈS,
1981, p. 177)” (p.4). “Se, do ponto de vista sócio-histórico, a escola é uma
instituição moderna, então, qual a função da escola no processo de formação
humana nas sociedades atuais? Os estudos sobre o papel da escola, na sociedade
moderna, apontam para o fato de que não existe uma função única, consensual,
universal da escola. A escola não é uma instituição social neutra, uma
instituição educativa a serviço de todos, igualmente. A forma como se realiza o
processo de formação humana na sociedade moderna, portanto, a educação no
interior da instituição social chamada escola, diz respeito aos valores, às ideologias
e às intenções dos diferentes grupos sociais que disputam seu lugar na hierarquia
social. Assim, os estudos da sociologia da educação apontam para a ideia de que
a educação escolarizada nestas sociedades tem, em geral, algumas funções. Pode
ter o objetivo ‘redentor’ de salvar
a sociedade da situação em que se encontra, como pode ter como objetivo ‘reproduzir’ a sociedade na sua forma de
organização, ou ainda, mediar a busca de entendimento da vida e da sociedade,
contribuindo assim para ‘transformá-la’
(LUCKESI, 1990). Muitos estudos sobre a função da escola têm refletido sobre o
antagonismo destas três funções: redentora, reprodutora e transformadora”
(p.4). “A desigualdade social – e, consequentemente, a marginalidade – é
concebida como uma distorção que, pela educação, pode ser superada. [Porém, a]
desigualdade social não é uma das mais importantes características –
definidora, fundante – da sociedade capitalista moderna? Não se trata aqui de concluir
que essa tarefa – de superação das desigualdades – é impossível para a escola
pela sua magnitude, mas de compreender que a instituição escolar é uma
instituição que emerge desta sociedade, que está a serviço dos interesses
contraditórios que definem a constituição da sociedade capitalista moderna como
sociedade desigual. Por outro lado, a educação, em particular a escolarizada,
como instituição social principal responsável pela formação dos sujeitos
sociais na modernidade, tem assumido, segundo as análises sociológicas
dedicadas ao seu estudo, a função de reproduzir a desigualdade social que caracteriza
esta sociedade. Isso significa dizer que a educação, como instituição social
organicamente ligada a esta sociedade, contribui, no que diz respeito à
formação dos sujeitos sociais, para reproduzir a contradição de classes
inerente à sociedade capitalista moderna. Esse tema foi particularmente
estudado pela sociologia de Pierre Bordieu, Jean-Claude Passeron (França),
Louis Althusser (França), Samuel Bowles, Herbert Gintis (USA), Christian
Baudelot, Roger Establet (França)” (p.5). “A maior contribuição destes
sociólogos da educação foi denunciar o papel legitimador da desigualdade social
que assume a escola em nossa sociedade. Ou seja, é necessário compreender que a
escola não tem apenas o papel de formação dos sujeitos sociais – uma formação
descomprometida com as formas organizativas da sociedade –, mas um papel
comprometido com a dinâmica social dominante. Dessa forma, a escola, em sua
tarefa de formar os sujeitos sociais, não é neutra,
mas exerce um papel político nesta formação, no sentido de seu comprometimento
– do ponto de vista da reprodução ideológica – na formação dos sujeitos. Se
essa sociologia denunciou o papel de legitimador das desigualdades sociais,
trazemos também para análise a proposta transformadora da escola. Mais do que
uma realidade existente – como a analisada e denunciada pela sociologia
reprodutivista – a educação transformadora consiste em uma proposta que parte
do desafio de construir uma escola que esteja, não a serviço dos grupos
dominantes da sociedade, no que diz respeito à preservação dos privilégios, mas
comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O
ponto de partida da educação transformadora, que tem caráter fortemente
crítico, é a constatação de que a escola não transforma diretamente a sociedade,
mas instrumentaliza os sujeitos que, na prática social, realizam o movimento de
transformação. Isto é, a escola tem a especificidade de, do ponto de vista da
formação humana, garantir a apropriação de elementos da cultura que se
transformem, na prática social, em instrumentos de luta no enfrentamento da
desigualdade social” (p.6). “Nesse sentido, é importante que o educador
compreenda a complexidade da realidade social na qual ele atua. Não basta, para
isso, conhecer a realidade, é preciso pensar sobre ela – tendo as diferentes
teorias educacionais como referência” (p.7).
Escola pública e
desigualdade social
“A
escola pública é a maior expressão da escola como instituição social, aquela
que tem sua origem na modernidade, exigência do modo de produção capitalista
moderno industrial. No Brasil, podemos considerar, como marco histórico do
surgimento da escola pública, o Manifesto dos Pioneiros Pela Educação Nova. Sua
proposta estava plenamente integrada ao contexto social, político e econômico
da consolidação do capitalismo industrial no Brasil, cujo papel da escola
estava voltado para a formação dos sujeitos sociais para esse desenvolvimento.
Isso explica porque o Manifesto trouxe a público, da forma mais veemente na
história da educação brasileira, a defesa da escola para todos – um dos mais
importantes princípios da educação burguesa. Saviani (2007) faz uma cuidadosa
análise do Manifesto considerando-o heterogêneo e contraditório, pois expressa
princípios elitistas e, ao mesmo tempo, princípios igualitaristas” (p.7). “Podemos
encontrar no Manifesto a marca da dualidade: a escola teria função
homogeneizadora dos indivíduos, nos níveis primários e secundários de ensino, e
função diferenciadora no nível superior (universitário). Com o fim do Estado Novo,
em 1945, as discussões em torno da Constituição de 1946 trouxeram de volta os
Pioneiros da Educação e, com eles, as forças hegemônicas na comissão para
elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. A
Lei no. 4024/61 – LDBEN – definiu a construção do Plano Nacional de Educação em
1962. O investimento financeiro na educação subiu para 12% dos recursos da
União, a política educacional a esse investimento articulada pretendeu
enfrentar o grave problema do analfabetismo, da evasão escolar e do
afunilamento do sistema de ensino. A estrutura criada foi a do ensino primário,
ensino médio (ginasial e colegial) e ensino superior. Propunha também a
valorização da formação de professores, a implantação do tempo integral nas 5ª
e 6ª séries (artes industriais). Essas medidas legais – que consolidaram o
ensino público, tomaram ainda mais importância no início dos anos 1960” (p.8).
“Marcado
pela contradição entre ideologia e economia, o período anterior ao golpe
militar organizava-se sob a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista e a
desnacionalização da economia. Essa contradição, no conturbado governo Jango,
foi ‘resolvida’ pelo governo militar, que marcou uma ruptura política com
continuidade socioeconômica, fundamentando-se na doutrina da interdependência.
O reflexo direto disso, na educação, se expressa pelas reformas implantadas, em
busca da “educação que nos convém”: a aprovação da Lei 5540/69, da Reforma
Universitária, e da Lei 5692/71, que organizou o ensino básico em 1º e 2º graus.
O pano de fundo das reformas foi a teoria do capital humano, com seus
princípios de racionalidade, eficiência e produtividade; isto é, o máximo de
resultados com o mínimo de esforços na formação humana (investimento) que
interessava ao regime político e ao modelo econômico. Essas reformas, portanto,
inspiraram-se na pedagogia tecnicista, articulando a organização racional
(taylorista) do sistema de ensino brasileiro com o controle de comportamento
nos processos de aprendizagem (behaviorismo). Modelo econômico em desenvolvimento
que exigia escolarização da população e, por outro lado, exigia o controle da
escolarização, em especial no que diz respeito ao ingresso ao ensino superior,
maior foco de resistência ao regime no interior da sociedade brasileira. O
governo autoritário, então, equacionou essa aparente contradição pela expansão
controlada, isto é, expandiu a rede pública de ensino, criando um mecanismo
interno de controle. Segundo Romanelli (2009), esse controle recaiu sobre a progressão
no sistema e a qualidade da educação. A dualidade, então, cujos reflexos
vivemos ainda hoje, expressou-se pela oposição quantidade-qualidade, ou seja,
enquanto se expandia o atendimento à educação escolarizada pública pelo estado
autoritário (quantidade), privatizava-se, gradualmente, a qualidade” (p.9). “Essa
situação se expressa de forma muito clara no processo de elaboração da nova Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – que, iniciado em 1988, com a
promulgação da Constituição Federal, consolidou-se na promulgação da Lei no
9394/96. A
nova LDB, instrumento político da organização da educação no Brasil, traz a
marcado neoprodutivismo (SAVIANI, 2007), ou seja, a renovação neoliberal da
teoria do capital humano. Essa abordagem fez com que a LDB aprovada (cuja
organização popular sofreu um grande golpe no final de sua elaboração) se
tornasse um instrumento para a política educacional marcada pela inclusão-excludente. Os avanços
quantitativos necessários na inclusão da população em idade escolar na escola
pública não foram equivalentes à qualidade necessária. Assim, pelo
aprofundamento da crise de qualidade na escola pública, uma enorme parte da
população é excluída do processo de apropriação da cultura como instrumento transformador
na prática social” (p.10). “Os indicadores referentes à consolidação do
ingresso da população na escola encobrem os índices de abandono e fracasso. Essa
manipulação advém do objetivo de realizar uma avaliação essencialmente
estatística. Com essa avaliação, posterga-se a urgente necessidade de alcançar
níveis de aprendizagem e formação mais consistentes que garantam aos estudantes
os instrumentos indispensáveis ao exercício de uma cidadania ativa. Ao burocratizar o
exercício da profissão docente, a formação e a ação educativa dos professores
pouco têm a contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público. Essa burocratização
provém do investimento em processos de formação e ação educativa com tendências
a transformar os professores e educadores em profissionais acríticos e simples executores
de tarefas pré-estabelecidas. Esses profissionais perdem sua capacidade crítica
e criativa ao trabalharem em condições de crescente precariedade,
desapropriados de direitos trabalhistas conquistados no difícil processo de
democratização da sociedade brasileira” (p.11). “Se, no início da organização
do sistema nacional de ensino no Brasil, o grande embate era entre a escola
pública e a privada, no que diz respeito à responsabilidade da Igreja e do
Estado, a análise do funcionamento do sistema nacional de ensino, hoje, está
centrada na qualidade da escola pública e da privada e na responsabilidade da sociedade
em sua garantia” (p.12). “De direito social de todos, a educação é compreendida
pela ideologia dominante – impregnada pela doutrina econômica neoliberal e
construída pela lógica do neoprodutivismo na educação – como um serviço a ser
prestado e adquirido no mercado (LOMBARDI; SAVIANI; NASCIMENTO, 2005; SAVIANI,
2007). No que diz respeito à escola pública, os professores, de mediadores no processo
de apropriação de conhecimentos sistematizados da cultura elaborada, assumem, na
lógica hegemônica da organização da sociedade, o papel de prestadores de
serviço. Nesse sentido, sua formação plena – para dirigir sofisticados
processos de ensino e aprendizagem que garantam a apropriação crítica e reflexiva
da cultura elaborada na perspectiva de formação para práticas sociais mais
conscientes e consequentes – transforma-se em uma formação ligeira e
superficial” (p.13). “A
escola pública é uma conquista que tem suas origens na Revolução Francesa, isto
é, na democratização da sociedade aristocrática e na origem da modernização das
sociedades como capitalistas e industriais. Esse é um fato histórico de enorme
importância, pois confere à escola pública o caráter democratizante e
democratizador. No entanto, sua origem histórica não a exime de problemas
também historicamente incorporados, problemas a serem resolvidos e questões
teóricas e práticas a serem exploradas. Uma das críticas que esta escola enfrenta
concerne à atualidade de seus conteúdos” (p.14). “A escola, articulando o novo
com a tradição, será efetivamente pública se for capaz de trazer para seu
interior a responsabilidade de formação plena dos sujeitos, o que significa
garantir a apropriação crítica do conjunto da produção humana” (p.15).
2.
Lopes,
Paula Cristina. Educação,
Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas: Marx, Durkheim e Weber.
“Educação,
sistemas, políticas e processos educativos têm-se tornado questões centrais nas
sociedades contemporâneas. A discussão implica uma reflexão sobre o próprio conceito
de educação: na verdade, os debates contemporâneos neste âmbito podem já ser
desvendados na tradição clássica. [No entanto,] nem todos os clássicos da sociologia
deram particular relevo às questões relacionadas com educação. [Contudo,] há
três nomes incontornáveis neste domínio: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.
Marx e Weber não se [debruçaram] explicitamente sobre os sistemas educativos e
apenas [abordaram] a questão de modo ocasional, integrando uma teoria geral
(p.1)”.
A educação em Karl Marx
“A
sociologia materialista-histórica-dialética de Karl Marx (1818-1883) é a
sociologia da luta de classes, a sociologia das relações de poder no seio das
sociedades capitalistas, do estruturalismo socioeconômico-político. A educação
não é temática dominante na obra de Marx. Neste campo, tal como em muitos
outros, o enquadramento faz-se em relação ao seu desenvolvimento no processo histórico
das sociedades: a concepção marxista de educação tem também por base o
materialismo histórico. No modelo marxista infraestrutural – superestrutural
(dialético, de relação recíproca), a escola faz parte da superestrutura (tal
como o Estado ou a família, por exemplo) e a educação é assumidamente um
elemento de manutenção da hierarquia social, de controle das classes dominantes
sobre as classes dominadas, isto é, de dominação da burguesia sobre o proletariado.
As ideologias que estabelecem as regras são as das classes dominantes, dos ideólogos
– produtos típicos das universidades burguesas (Morrow e Torres, 1997: 25)” (p.2).
“As ideias passadas pela escola burguesa à classe operária, passadas ao
proletariado por professores a serviço da ‘reprodução’ cultural-social (e,
neste sentido, ‘o educador tem ele próprio de ser educado’), criam uma falsa
consciência de classe. Para superar essa tensão, Marx apresenta várias propostas,
dispersas por obras mais ou menos relevantes, ao longo dos anos. Em 1848, Marx
propõe um modelo de educação igualitário, para todos os indivíduos, no
propagandístico ‘Manifesto do Partido Comunista’. No segundo capítulo do texto,
intitulado ‘Proletários e Comunistas’, Marx defende que uma das medidas inevitáveis
como meios de revolucionamento de todo o mundo é a educação pública e gratuita de
todas as crianças” (p.3). O trabalho é, em Marx, um princípio educativo. O
homem total constitui-se a partir da articulação ensino-trabalho desde a infância,
a partir de uma preparação politécnica para desenvolver o maior número possível
de ocupações (Aron, 1991: 169). Na base deste processo de preparação do indivíduo,
encontra-se a tríade ‘educação intelectual’, ‘educação física’, ‘educação
profissional’” (p.4). “A ideia de que a necessidade capitalista de uma força de
trabalho mais flexível obriga à introdução da escolaridade básica pública e à
constituição das escolas técnicas é também desenvolvida no primeiro volume da
obra ‘O Capital’, publicada em três tomos entre 1867 e 1894. (Morrow e Torres,
1997: 25). A formação/instrução do proletariado é a porta para o conhecimento,
mas também a porta para a transformação da sociedade. Este é o caráter
revolucionário da educação (Santos, 2005b); a evolução é sempre um produto
revolucionário. A implementação da educação politécnica-industrial é outro dos
paradigmas educativos em análise e discussão desde Karl Marx” (p.4).
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