quarta-feira, 30 de maio de 2018

UNIVESP – Curso de Pedagogia - Disciplina: Educação Mediada por Tecnologias I - Semana 3 - Mídias na Educação

UNIVESP – Curso de Pedagogia
Disciplina: Educação Mediada por Tecnologias I
Semana 3 - Mídias na Educação

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Os objetivos dessa semana são:

Entender o papel docente no uso de mídias para a educação;
Compreender os novos papéis proporcionados pela sociedade contemporânea e pelo frequente uso de tecnologias;
Refletir sobre o papel do professor diante do uso crítico das mídias para o ensino;
Compartilhar experiências com os colegas.

Vídeo-base 1

Cultura das Mídias e Educação - Lucia Santaella

Trata-se de um depoimento.

A partir das perguntas “O que significa sociedade das mídias?” e “Como chegamos à internet?”, Lucia Santaella traça um panorama no qual rememora o seu contato inicial com a palavra mídia, que, nos anos 1980, é praticamente utilizada apenas pelos profissionais de publicidade e propaganda para designar os meios de divulgação da informação (veículos de comunicação). Até os anos 1970, nos cursos de comunicação, os meios de comunicação eram referidos como comunicação de massas ou cultura de massas. Dos anos 1970 para os anos 1980, começou a aparecer uma coisa nova no mundo da cultura/comunicação que parecia, a Santaella, que colocaria em crise a hegemonia da cultura de massa. Os pequenos dispositivos (“walkman”, por exemplo) começaram a personalizar a informação e a comunicação. E, a essa personificação, Santaella chama de cultura das mídias. Coisas com a TV a cabo, que permitiu que o receptor passasse a escolher o que quer consumir que, de certa maneira, preparou o terreno para o computador e para a internet. Agora, já estamos na cultura digital – embora a cultura das mídias e, também, a cultura de massas não tenham deixado de existir. Porém, a cultura digital tende a aparecer mais, por ser a mais recente, pois transforma as mídias que vieram antes.

Vídeo-base 2

Educação tradicional e educação ubíqua - Lucia Santaella

Trata-se de um depoimento.

Primeira pergunta: “Por que a educação formal tem dificuldade para lidar com recursos que estão fora – e cada vez mais distantes – do universo de Johannes Gutenberg [impressão com tipos]?

A escola perdeu o bonde dos meios de comunicação de massa, não conseguindo fazer nenhum tipo de aliança com os meios de comunicação de massa – à exceção dos telecursos (Santaella não acredita muito no bom funcionamento dos telecursos). Faz parte da escola manter a tradição, ser conservadora. No tempo dos meios de comunicação de massas, escola e os veículos de comunicação estavam separados. Os computadores agora são dispositivos móveis. Assim, o maior desafio da escola é conseguir complementar as suas finalidades com esse potencial que as novas mídias representam.

Segunda pergunta: [em off]

No Brasil, a educação é uma calamidade. Falta investimento e planejamento para conseguir dar um salto. Aprendizagem ubíqua: os meios de aprendizagem não estão só na escola. É preciso se pensar em projetos que tenham continuidade, pois esse é um grande problema da nossa cultura [brasileira], que é marcada pela cultura da descontinuidade. E essa cultura afeta particularmente a educação. Não há continuidade necessária para uma autoavaliação. Projetos começam e são interrompidos.

Terceira pergunta: Há um confronto entre aprendizagem ubíqua e educação formal/tradicional?

Educação formal é a educação que ocorre na escola, que segue uma sistemática. Aprendizagem ubíqua é a aprendizagem disponível a qualquer momento [posto as informações estarem acessíveis pelos dispositivos móveis]. Existe diferença entre informação e aprendizagem: aprendizagem é quando a informação é incorporada para usos futuros. Enquanto “informação” é aquela que dura o tempo necessário de seu uso – a previsão do tempo, por exemplo. A fronteira entre informação e aprendizagem começa a ficar borrada, pois é possível, no ambiente de sala de aula, ir em busca de uma informação mesmo durante o momento de explanação do professor, por conta da acessibilidade. [Não há a dependência única da informação que é passada pelo professor]. Santaella  destaca que os dispositivos móveis não apenas permitem acesso a informação, mas também o compartilhamento e a troca entre os jovens. A aprendizagem deixa de ser individual e passa a ser coletiva, na base das trocas. Umberto Eco: “nas redes, nós passamos de Platão à salsicha em fração de segundos”. A velocidade de mudança do mundo atual leva à palestrante a concluir que o ser humano está passando por um salto antropológico. Isso, contudo, não significa que a educação formal vai deixar de existir, pois há ainda o problema da seletividade das informações, que só se alcança através da sistematização do conhecimento, da paciência, da experiência das pessoas. E é isso que a escola tem que continuar fazendo. A transmissão de valores, através da família e da escola. O desafio da escola é não separar a educação formal desse mundo de informações disponíveis na palma da mão.

Vídeo de apoio 1

Linguagem, Pensamento, Mídias, Hibridismo e Educação - Lucia Santaella

Trata-se de um depoimento.

Santaella fala do livro “Teoria das matrizes”.
Linguagem verbal, visual, sonora. Hipermídia. Começo dos anos 1990. Teoria das três matrizes: visual, verbal e sonora. Multimídia. Mídias como suporte. Na teoria, as linguagens são o cerne da comunicação/mensagem. Os meios são por onde essas linguagens transitam. As mídias são esses meios. O pensamento se organiza a partir dessas três linguagens. A linguagem atual é dita como híbrida porque se mistura. A mente humana sempre foi híbrida.

Pergunta: A rede (internet) conseguiu materializar todas essas linguagens interagindo?

Sim, pois, antes, cada linguagem ocupava o seu meio (suporte) e agora tudo convergiu para o computador. Santaella  crê que a primeira coisa que vai desaparecer serão os livros didáticos – por conta dos tablets.

Pergunta: Pede-se para ela explicar a matriz sonora estando mais ligada à lógica do som e menos ao som no sentido físico, de forma mais abstrata, como parece ter sido definido pela palestrante em algum outro documento.

Questão crucial na teoria das três matrizes. O som tem a ver com a sintaxe – e a sintaxe está em todas as linguagens. O vídeo e o cinema são linguagens plásticas com características da linguagem sonora. As linguagens estão aumentando, estão crescendo, estão se multiplicando e, com isso, estão se misturando. São essas misturas que a gente precisa compreender no ensino e na aprendizagem. Quem não compreende, fica preso à superfície das coisas.

Pergunta: Hibridismo e ecologia plural da comunicação.

Estamos vivendo um hibridismo de linguagens (mistura de linguagens), de modo que dificilmente se encontra uma linguagem isoladamente. Até mesmo os livros estão ficando mais arejados, com mais imagens, com indicações de recursos externos, parecendo com o jornal, que já é uma linguagem híbrida desde muito tempo, pela estruturação em partes (primeira página chamando algo que está em outro caderno, etc). A linguagem das redes não é a linguagem escrita dos livros, pois mistura a oralidade com a escrita, como já foi a linguagem do telégrafo [que não era a mesma linguagem escrita, mas algo muito próprio daquele veículo].

Atividade para avaliação

Atenção: a produção da atividade deverá seguir as normas ABNT.

Uso de mídias em projetos da minha cidade

No texto Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas, as autoras Bévort e Belloni indicam algumas dificuldades quanto à consolidação do campo mídia-educação. Segundo as autoras, uma das dificuldades relaciona-se à “influência de abordagens baseadas nos efeitos negativos das mídias que tendem a bani-las da educação, em lugar da compreensão das implicações sociais, culturais e educacionais”; além disso, nas páginas 1082 e 1083, outras dificuldades são apresentadas.

Diante deste cenário, busque um exemplo bem-sucedido do uso de mídias na educação em uma escola próxima de você ou mesmo em projetos divulgados pela internet. Caso você opte por procurar pela rede, não basta incluir o link do projeto; é preciso realizar uma breve descrição sobre ele, enfatizando como o projeto utilizou a mídia e os resultados positivos obtidos.

O foco é que você consiga compreender o uso da mídia em um processo de ensino ou de aprendizagem.

Fichamento dos textos

1.

Evelyne Bévort; Maria Luiza Belloni. Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 109, p. 1081-1102, set./dez. 2009.

Introdução: relevância e obstáculos

Este texto defende uma ideia e uma prática indispensáveis para que a formação de educadores cumpra sua função social: a ideia de que não pode haver cidadania sem apropriação crítica e criativa, por todos os cidadãos, das mídias que o progresso técnico coloca à disposição da sociedade; e a prática de integrar estas mídias nos processos educacionais em todos os níveis e modalidades, sem o que a educação que oferecemos às novas gerações continuará sendo incompleta e anacrônica, em total dissonância com as demandas sociais e culturais (...). Mídia-educação é um campo relativamente novo, com dificuldades para se consolidar (...) devido sua pouca importância na formação inicial e continuada de profissionais da educação (...) [e devido a] outros obstáculos importantes: i) ausência de preocupação com a formação das novas gerações para a apropriação crítica e criativa das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC); ii) indefinição de políticas públicas e insuficiência de recursos para ações e pesquisas; iii) confusões conceituais, práticas inadequadas, “receitas prontas” para a sala de aula, em lugar da reflexão sobre o tema na formação de educadores; iv) influência de abordagens baseadas nos efeitos negativos das mídias que tendem a bani-las da educação, em lugar da compreensão das implicações sociais, culturais e educacionais; v) integração das TIC à escola de modo meramente instrumental, sem a reflexão sobre mensagens e contextos de produção (p.1082-1083). Tais dificuldades e obstáculos explicam-se, em grande parte, no plano epistemológico, pelas características estruturais do campo da mídia-educação, que se situa na intersecção dos campos da educação e da comunicação, tendo, pois, enquanto campo de estudo e de intervenção, as mesmas características destes dois campos, complexos em razão de suas ambivalências estruturais: são ao mesmo tempo teóricos e práticos, exigindo para sua compreensão abordagens interdisciplinares que colocam em relação diferentes disciplinas das ciências humanas. Não por acaso, as ciências (ou teorias) da educação e as ciências (ou teorias) da comunicação se declinam no plural (...). É preciso ressaltar que as mídias são importantes e sofisticados dispositivos técnicos de comunicação que atuam em muitas esferas da vida social, não apenas com funções efetivas de controle social (político, ideológico...), mas também gerando novos modos de perceber a realidade, de aprender, de produzir e difundir conhecimentos e informações. São, portanto, extremamente importantes na vida das novas gerações, funcionando como instituições de socialização, uma espécie de “escola paralela” (p.1083), mais interessante e atrativa que a instituição escolar, na qual crianças e adolescentes não apenas aprendem coisas novas, mas também, e talvez principalmente, desenvolvem novas habilidades cognitivas, ou seja, “novos modos de aprender”, mais autônomos e colaborativos, ainda ignorados por professores e especialistas (Porcher, 1974; Perriault, 2002; Belloni & Gomes, 2008; Belloni et al., 2007; Belloni, s/d) (...). Do ponto de vista conceitual, a questão mais importante é a integração destes dispositivos técnicos aos processos educacionais e comunicacionais. (...) Esta integração tende a ocorrer de modo bastante desigual: ela é alta e rápida nos processos de comunicação, onde os agentes (as “mídias”) se apropriam imediatamente das novas tecnologias e as utilizam numa lógica de mercado; e tende a ser muito baixa nos processos educacionais  (...); o acesso e a apropriação das TIC ocorrem também de modo muito desigual, segundo as classes sociais e as regiões do planeta. A integração das TIC na escola, em todos os seus níveis, é fundamental, porque estas técnicas já estão presentes na vida de todas as crianças e adolescentes e funcionam – de modo desigual, real ou virtual – como agências de socialização, concorrendo com a escola e a família (...). Por isso, é importante considerar esta integração, na perspectiva da mídia-educação, em suas duas dimensões inseparáveis: objeto de estudo e ferramenta pedagógica, ou seja, como educação para as mídias, com as mídias, sobre as mídias e pelas mídias (p.1084).

Histórico: conceito em evolução, práticas em dispersão

Em sua fase pioneira, nos anos de 1950/1960, na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, o interesse pela mídia-educação aparece como uma preocupação com os aspectos políticos e ideológicos decorrentes da crescente importância das mídias na vida cotidiana e se refere mais à informação sobre a atualidade, principalmente política (...). A expressão “educação para as mídias” ou “mídia-educação” aparece em organismos internacionais, particularmente na UNESCO, nos anos 1960 e, num primeiro momento, refere-se, de modo um tanto confuso, à capacidade destes novos meios de comunicação de alfabetizarem, em grande escala, populações privadas de estruturas de ensino e de equipes de pessoal qualificado, ou seja, às virtudes educacionais das mídias de massa como meios de educação a distância (p.1085). Outra área que irá conhecer, nos anos 1970, significativo desenvolvimento, especialmente nos Estados Unidos e na América Latina [é] a tecnologia educacional, como ferramenta do planejamento de educação, vista como panaceia para melhorar qualitativa e quantitativamente os sistemas educacionais nos países do terceiro mundo (Belloni & Subtil, 2002) (p.1086). Mídia-educação [foi] definida, na Declaração de Grünwald (1982), como uma formação para a compreensão crítica das mídias, mas também se reconheceu o papel potencial das mídias na promoção da expressão criativa e da participação dos cidadãos, pondo em evidência as potencialidades democráticas dos dispositivos técnicos de mídia. Este documento fundador deixa vislumbrar a ideia da dupla dimensão da mídia-educação e, sobretudo, a consideração das mídias não só como meios de comunicação de massa, cuja leitura crítica é preciso desenvolver, mas também como meios de expressão da opinião e da criatividade pessoais, cuja apropriação é necessária assegurar a todos os cidadãos (p.1087). A noção de mídia-educação proposta neste documento vai além das anteriores, caracterizando-se como uma “alfabetização” (literacy) alargada, com uma abordagem mais integrada do ensino da linguagem e da comunicação e mais ampla, em termos de suportes técnicos, abrangendo todas as mídias modernas. O foco, porém, não é o uso pedagógico ou didático das mídias, mas as experiências midiáticas dos jovens fora da escola para, a partir delas, ensinar sobre as mídias (p.1088).

A passagem do século: internet e novíssimas TIC

Ao final do século XX, observa-se uma verdadeira “revolução tecnológica”, decorrente do avanço técnico nos campos das telecomunicações e da informática, colocando à disposição da sociedade possibilidades novas de comunicar e de produzir e difundir informação. O conjunto das chamadas “indústrias culturais” (rádio, cinema, televisão, impressos) vive uma mutação tecnológica sem precedentes (...). Do ponto de vista dos usuários, tal mutação leva um nome: internet (...). Com a difusão crescente em ritmo exponencial, mesmo em países pobres, das TIC e da internet, simples usuários sem formação específica podem ter acesso a mídias sofisticadas, que permitem interatividade e acesso à informação e entretenimento quase sem limites. As mídias tornam-se mais individualizadas, impregnantes e invasivas. Da “aldeia global”, passamos à “sociedade da informação ou do conhecimento” e, sobretudo, à “sociedade em rede”, com suas utopias e aporias (inteligência coletiva, autonomia, democratização da cultura, realidade virtual...). (...) O papel da mídia-educação torna-se ainda mais crucial e sua realização mais complexa, face às ilusões libertárias e igualitárias das promessas da “rede” (p.1090). As novas TIC representam, evidentemente, novos desafios para a mídia-educação, que deve aprender a lidar com: uma cultura midiática muito mais interativa e participativa entre os jovens; fronteiras indefinidas entre a elite produtora de mensagens e a massa de consumidores; novos modos de fazer política e novas possibilidades democráticas (p.1090-1091). Apareceram diferenças de conceitos de mídia-educação e diversidade de experiências, necessidades e finalidades segundo os países e regiões do planeta: países ricos (como a Austrália, o Canadá e vários outros da Europa) destacam objetivos de formação de indivíduos críticos, independentes e participativos, enquanto países [em desenvolvimento] (Índia, Brasil, África do Sul) reafirmam a importância da mídia-educação para a formação da cidadania em toda a comunidade, para a democratização e a justiça social. Para estes [países] participantes “do sul”, [a ideia de] mídia-educação é mais ampla, incluindo não apenas as crianças na escola, mas adultos na sociedade como um todo (p.1093). Os obstáculos mais importantes ao pleno desenvolvimento da mídia-educação e sua integração aos sistemas educacionais formais são: i) falta de vontade política e apoio insuficiente dos organismos oficiais, que dificultam, senão impossibilitam, a integração nos espaços escolares de programas e ações de mídia-educação; ii) ausência de políticas públicas e decorrente penúria de investimentos, fazendo com que a mídia-educação não consiga superar o estágio de movimento militante, mais ou menos marginalizado segundo os países e as regiões; iii) as próprias mídias não demonstram nenhuma boa vontade com ações de mídia-educação, particularmente quando os objetivos são estimular o pensamento crítico sobre as mídias e a participação democrática (p.1093-1094). O fator principal da falta de empenho dos sistemas midiáticos em colaborar com ações de mídia-educação é óbvio: as mídias de massa, baseadas na publicidade comercial, precisam de audiências desavisadas, distraídas, embevecidas pelas aventuras dos heróis das ficções ou embaladas por informações fragmentadas, prontas a aceitar sem pensar os argumentos de mensagens publicitárias animadas, coloridas, envolventes. Os sistemas de mídia necessitam de públicos não-educados, acríticos, cujo tempo de cérebro suas mensagens preenchem (p.1094).

Perspectivas para o futuro: Agenda de Paris e Carta de Mídia-Educação

Embora existam iniciativas interessantes – porém, em geral elas são paralelas, têm caráter facultativo, fora do tempo escolar e dos programas obrigatórios, e dependem da boa vontade de atores motivados –: 25 anos depois de Grünwald, a mídia-educação continua a ser, na maioria dos países, uma preocupação e uma prática de educadores e jornalistas militantes (UNESCO, 2007) (p.1095). A Agenda de Paris reafirma a convicção de que a mídia-educação, como parte da formação para a cidadania, é indispensável para que a sociedade “da informação seja plural, inclusiva e participativa (novos aspectos da democracia)” (p.1096). Frente às práticas de uso da internet, dos telefones celulares (...), dispositivos técnicos sofisticados imediatamente incorporados pelos jovens, “naturalmente”, sem necessidade de formação específica, não podemos mais considerar estes jovens meramente como públicos receptores e consumidores com necessidade de “leitura crítica”. Estamos diante de problemas bem mais complexos que exigem novas posturas, novos conceitos e orientações, novos modos de ensinar, adequados aos novos modos de aprender que crianças e jovens desenvolvem no contato com as TIC (Belloni & Gomes, 2008; Belloni, s/d). Em decorrência, não apenas a dupla dimensão da mídia-educação nos espaços escolares (objeto de estudo e ferramenta pedagógica) é claramente definida, mas acrescenta-se uma dimensão nova, que até então aparecia de modo implícito: a apropriação das mídias como meios ou ferramentas de expressão e participação, acessíveis a qualquer cidadão jovem ou adulto (p.1098). Segundo V. Reding, da Comissão Europeia, “a mídia-educação é hoje tão necessária ao exercício completo de uma cidadania ativa, quanto era, no início do século 19, o domínio da leitura e da escrita”. A Agenda de Paris reafirma, com muita ênfase, a necessidade da mídia-educação face à onipresença das mídias na vida social, principalmente na vida dos jovens, como elementos importantes da cultura contemporânea, como meios potenciais de participação ativa do cidadão e como ferramentas de expressão da criatividade pessoal. Ressalta também a importância cada vez maior da mídia-educação para lutar contra as desigualdades (sociais e regionais) de acesso às diferentes mídias e para a formação das competências necessárias ao domínio técnico e à compreensão crítica, não apenas das mensagens das mídias, como das forças político-econômicas que as estruturam. Competências estas indispensáveis para o exercício pleno da cidadania, ou seja, para estimular a participação ativa dos jovens baseada na valorização das diversidades culturais e identitárias (p.1099).

2.

Lúcia Santaella. Da cultura das mídias à cibercultura: o advento do pós-humano. Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 22, dezembro 2003.

Este artigo trata da questão do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação e sua implicação em todas as esferas da sociedade (...). Para Robins e Webster (1999, p. 111), se as forças do capital corporativista e os interesses políticos forem bem-sucedidos na introdução sistemática dessas novas tecnologias – da robótica aos bancos de dados, da internet aos jogos de realidade virtual –, então a vida social será transformada em quase todos os seus aspectos. O desenvolvimento estratégico das tecnologias da informática e comunicação terá, então, reverberações por toda a estrutura social das sociedades capitalistas avançadas. Tendo em vista a relevância das reverberações que já se fazem presentes e daquelas que estão por vir, tenho defendido a ideia de que nós, intelectuais, pesquisadores e mestres, devemos nos dedicar à tarefa de gerar conceitos que sejam capazes de nos levar a compreender de modo mais efetivo as complexidades com que a realidade em mutação nos desafia (p.23).

As formações socioculturais

Para compreender essas passagens de uma cultura à outra, que considero sutis, tenho utilizado uma divisão das eras culturais em seis tipos de formações: a cultura oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das mídias e a cultura digital. Antes de tudo, deve ser declarado que essas divisões estão pautadas na convicção de que os meios de comunicação, desde o aparelho fonador até as redes digitais atuais, não passam de meros canais para a transmissão de informação. Por isso mesmo, não devemos cair no equívoco de julgar que as transformações culturais são devidas apenas ao advento de novas tecnologias e novos meios de comunicação e cultura. São, isto sim, os tipos de signos que circulam nesses meios, os tipos de mensagens e processos de comunicação que neles se engendram os verdadeiros responsáveis, não só por moldar o pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também por propiciar o surgimento de novos ambientes socioculturais (...). Devemos tirar a ênfase que se costuma colocar nos meios e nas mídias em si para trazer à baila outras determinações que tendem a ser ocultadas pelo fetiche das mídias. Entre essas determinações, aquela que é central à comunicação e à cultura é a determinação da linguagem (p.24). McLuhan, com sua célebre provocação “O meio é a mensagem” (1964), (...) se [desviou] da tendência comum nas teorias da comunicação de sua época, que separavam, de um lado, o modo como a mensagem é transmitida e, de outro lado, o conteúdo da mensagem. Ao colocar ênfase nos meios, McLuhan insistiu na impossibilidade de se separar a mensagem do meio, pois a mensagem é determinada muito mais pelo meio que a veicula do que pelas intenções de seu autor. Portanto, em vez de serem duas funções separadas, o meio é a mensagem (Lunenfeld, 1999a, p.130) (p.24-25). Ora, mídias são meios – e meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através dos quais transitam. Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia de comunicação é o componente mais superficial, no sentido de ser aquele que primeiro aparece no processo comunicativo. Não obstante sua relevância para o estudo desse processo, veículos são meros canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sentido não fossem as mensagens que nelas se configuram. Consequentemente, processos comunicativos e formas de cultura que nelas se realizam devem pressupor tanto as diferentes linguagens e sistemas sígnicos que se configuram, dentro dos veículos em consonância com o potencial e limites de cada veículo, quanto devem pressupor também as misturas entre linguagens que se realizam nos veículos híbridos de que a televisão e, muito mais, a hipermídia são exemplares. Embora sejam responsáveis pelo crescimento e pela multiplicação dos códigos e linguagens, meios continuam sendo meios (...). O segundo aspecto fundamental que o fetiche das mídias oblitera encontra-se no fato de que quaisquer mídias, em função dos processos de comunicação que propiciam, são inseparáveis das formas de socialização e cultura que são capazes de criar, de modo que o advento de cada novo meio de comunicação traz consigo um ciclo cultural que lhe é próprio e que fica impregnado de todas as contradições que caracterizam o modo de produção econômica e as consequentes injunções políticas em que um tal ciclo cultural toma corpo. Considerando-se que as mídias são conformadoras de novos ambientes sociais, pode-se estudar sociedades cuja cultura se molda pela oralidade, então pela escrita, mais tarde pela explosão das imagens na revolução industrial-eletrônica etc. (p.25).

Da cultura das mídias à cibercultura

Por volta do início dos anos 1980, começaram a se intensificar cada vez mais os casamentos e as misturas entre linguagens e meios, misturas essas que funcionam como um multiplicador de mídias (...). Ao mesmo tempo, novas sementes começaram a brotar no campo das mídias com o surgimento de equipamentos e dispositivos que possibilitaram o aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório: fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos para gravação de vídeos, equipamentos do tipo walkman e walktalk (p.26). Essas tecnologias [e seus] equipamentos e as linguagens criadas para circularem neles têm como principal característica propiciar a escolha e o consumo individualizados, em oposição ao consumo massivo. São esses processos comunicativos que considero como constitutivos de uma cultura das mídias. Foram eles que nos arrancaram da inércia da recepção de mensagens impostas de fora e nos treinaram para a busca da informação e do entretenimento que de sejamos encontrar. Por isso mesmo, foram esses meios e os processos de recepção que eles engendram que prepararam a sensibilidade dos usuários para a chegada dos meios digitais – cuja marca principal está na busca dispersa, alinear, fragmentada, mas certamente uma busca individualizada da mensagem e da informação (p.27).

A cultura digital e a moeda corrente da informação

Enfim, cultura de massas, cultura das mídias e cultura digital, embora convivam hoje em um imenso caldeirão de misturas, apresentam, cada uma delas, caracteres que lhes são próprios e que precisam ser distinguidos, sob pena de nos perdermos em um labirinto de confusões. Uma diferença gritante entre a cultura das mídias e a cultura digital, por exemplo, está no fato muito evidente de que, nesta última, está ocorrendo a convergência das mídias, um fenômeno muito distinto da convivência das mídias típica da cultura das mídias (p.27). A cultura das mídias é uma cultura do disponível e a cibercultura é a cultura do acesso (...); a convergência das mídias, na coexistência com a cultura de massas e a cultura das mídias, (...) tem sido responsável pelo nível de exacerbação que a produção e a circulação da informação atingiu nos nossos dias e que é uma das marcas registradas da cultura digital. (...) Informação não é uma quantidade conservada. Se eu lhe dou informação, você a tem e eu também. Passa-se aí da posse para o acesso. Este difere da posse porque o acesso vasculha padrões em lugar de presenças (p.28).

Reações à ciberrealidade

Para Heim (1999, p.31-45), o impacto do computador sobre a cultura e a economia tem dividido os críticos em três tipos de reação. De um lado, os realistas ingênuos. Estes tomam a realidade como aquilo que pode ser experiência do imediatamente e alinham os computadores com os poluidores que são jogados no terreno da experiência pura, não mediatizada. Quando dá voz a suas inquietações, o realista ingênuo faz soar alarmes que estão em agudo contraste com os bons augúrios dos idealistas das redes. Estes consideram o mundo das redes o melhor dos mundos e apontam para os ganhos evolutivos da espécie. “São otimistas e, nos maus dias, exibem uma felicidade preocupada”. Para o autor (ibid., p. 38), tanto os realistas ingênuos quanto os idealistas são os dois lados da mesma moeda. “Enquanto o idealista avança com otimismo sem reservas, o realista pisa para trás movido pelo desejo de nos assentar fora da tecnologia”. Além dos realistas e idealistas, Heim encontra um terceiro grupo, o dos céticos. Convictos de que as tentativas para compreender o processo, não importa quão inteligentes elas possam ser, são inócuas, eles insistem que o ciberespaço está atravessando um processo de nascimento muito confuso. Trata-se de um ceticismo que resulta em uma atitude de deixar acontecer para ver como é que fica (p.29).

Desafios do pós-humano

Não há porque desenvolver medos apocalípticos a respeito disso. As máquinas vão ficar cada vez mais parecidas com o ser humano – e não o contrário. É nessa direção que caminham as pesquisas atuais em computação. Mas, ao mesmo tempo, também não se trata de desenvolver ideologias salvacionistas a respeito das tecnologias. Se elas são crias nossas, inevitavelmente carregam dentro de si nossas contradições e paradoxos (p.30). A rápida evolução do computador comparada com aquela de tecnologias anteriores, quando contrastada com a ausência de evolução na forma humana, levou o teórico e artista da realidade virtual Myron Krueger a prever que a interface última entre o computador e as pessoas estará voltada para o corpo humano e os sentidos humanos (apud Hillis, 1999: 6). Vem daí a importância que tenho dado às metamorfoses, no mais das vezes invisíveis, do corpo humano e às transformações na sensibilidade que vêm sendo exploradas pelos artistas (...). A expressão “pós-humano” é perturbadora. De fato, essa expressão pode trazer muitos mal-entendidos. O primeiro significado que costuma vir à mente das pessoas é o de que o humano já era, foi-se, perdeu-se no golpe dos acontecimentos. Não se trata disso. O termo pós-humano vem sendo empregado especialmente por artistas ou teóricos da arte e da cultura desde o início dos anos 1990. A expressão tem sido usada para sinalizar as grandes transformações que as novas tecnologias da comunicação estão trazendo para tudo o que diz respeito à vida humana, tanto no nível psíquico quanto social e antropológico. Há alguns autores que até defendem a ideia de que se trata de um passo evolutivo da espécie. Uso a expressão deliberada e estrategicamente para chamar atenção para o fato de que não podemos nos furtar à reflexão sobre as modificações por que o ser humano vem passando – modificações não apenas mentais, mas também corporais, moleculares (p.31).



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