UNIVESP
– Curso de Pedagogia
joralimaTEXTO
Disciplina: Educação Mediada por
Tecnologias I
Semana
3 - Mídias na Educação
Os objetivos dessa semana são:
Entender o papel docente no uso de
mídias para a educação;
Compreender os novos papéis
proporcionados pela sociedade contemporânea e pelo frequente uso de
tecnologias;
Refletir sobre o papel do professor
diante do uso crítico das mídias para o ensino;
Compartilhar experiências com os
colegas.
Vídeo-base 1
Cultura das Mídias
e Educação - Lucia
Santaella
Trata-se
de um depoimento.
A
partir das perguntas “O que significa sociedade das mídias?” e “Como chegamos à
internet?”, Lucia Santaella traça um panorama no qual rememora o seu contato
inicial com a palavra mídia, que, nos anos 1980, é praticamente utilizada apenas
pelos profissionais de publicidade e propaganda para designar os meios de
divulgação da informação (veículos de comunicação). Até os anos 1970, nos
cursos de comunicação, os meios de comunicação eram referidos como comunicação
de massas ou cultura de massas. Dos anos 1970 para os anos 1980, começou a
aparecer uma coisa nova no mundo da cultura/comunicação que parecia, a Santaella,
que colocaria em crise a hegemonia da cultura de massa. Os pequenos
dispositivos (“walkman”, por exemplo) começaram a personalizar a informação e a
comunicação. E, a essa personificação, Santaella chama de cultura das mídias. Coisas
com a TV a cabo, que permitiu que o receptor passasse a escolher o que quer
consumir que, de certa maneira, preparou o terreno para o computador e para a
internet. Agora, já estamos na cultura digital – embora a cultura das mídias e,
também, a cultura de massas não tenham deixado de existir. Porém, a cultura
digital tende a aparecer mais, por ser a mais recente, pois transforma as
mídias que vieram antes.
Vídeo-base 2
Educação
tradicional e educação ubíqua - Lucia Santaella
Trata-se
de um depoimento.
Primeira
pergunta: “Por que a educação formal tem dificuldade para lidar com recursos
que estão fora – e cada vez mais distantes – do universo de Johannes Gutenberg
[impressão com tipos]?
A
escola perdeu o bonde dos meios de comunicação de massa, não conseguindo fazer
nenhum tipo de aliança com os meios de comunicação de massa – à exceção dos
telecursos (Santaella não acredita muito no bom funcionamento dos telecursos).
Faz parte da escola manter a tradição, ser conservadora. No tempo dos meios de
comunicação de massas, escola e os veículos de comunicação estavam separados.
Os computadores agora são dispositivos móveis. Assim, o maior desafio da escola
é conseguir complementar as suas finalidades com esse potencial que as novas
mídias representam.
Segunda
pergunta: [em off]
No
Brasil, a educação é uma calamidade. Falta investimento e planejamento para
conseguir dar um salto. Aprendizagem ubíqua: os meios de aprendizagem não estão
só na escola. É preciso se pensar em projetos que tenham continuidade, pois
esse é um grande problema da nossa cultura [brasileira], que é marcada pela
cultura da descontinuidade. E essa cultura afeta particularmente a educação. Não
há continuidade necessária para uma autoavaliação. Projetos começam e são
interrompidos.
Terceira
pergunta: Há um confronto entre aprendizagem ubíqua e educação
formal/tradicional?
Educação
formal é a educação que ocorre na escola, que segue uma sistemática.
Aprendizagem ubíqua é a aprendizagem disponível a qualquer momento [posto as
informações estarem acessíveis pelos dispositivos móveis]. Existe diferença
entre informação e aprendizagem: aprendizagem é quando a informação é
incorporada para usos futuros. Enquanto “informação” é aquela que dura o tempo
necessário de seu uso – a previsão do tempo, por exemplo. A fronteira entre
informação e aprendizagem começa a ficar borrada, pois é possível, no ambiente
de sala de aula, ir em busca de uma informação mesmo durante o momento de
explanação do professor, por conta da acessibilidade. [Não há a dependência
única da informação que é passada pelo professor]. Santaella destaca que os dispositivos móveis não apenas
permitem acesso a informação, mas também o compartilhamento e a troca entre os
jovens. A aprendizagem deixa de ser individual e passa a ser coletiva, na base
das trocas. Umberto Eco: “nas redes, nós passamos de Platão à salsicha em
fração de segundos”. A velocidade de mudança do mundo atual leva à palestrante
a concluir que o ser humano está passando por um salto antropológico. Isso,
contudo, não significa que a educação formal vai deixar de existir, pois há
ainda o problema da seletividade das informações, que só se alcança através da
sistematização do conhecimento, da paciência, da experiência das pessoas. E é
isso que a escola tem que continuar fazendo. A transmissão de valores, através
da família e da escola. O desafio da escola é não separar a educação formal desse
mundo de informações disponíveis na palma da mão.
Vídeo de apoio 1
Linguagem,
Pensamento, Mídias, Hibridismo e Educação - Lucia Santaella
Trata-se
de um depoimento.
Santaella
fala do livro “Teoria das matrizes”.
Linguagem
verbal, visual, sonora. Hipermídia. Começo dos anos 1990. Teoria das três
matrizes: visual, verbal e sonora. Multimídia. Mídias como suporte. Na teoria,
as linguagens são o cerne da comunicação/mensagem. Os meios são por onde essas
linguagens transitam. As mídias são esses meios. O pensamento se organiza a
partir dessas três linguagens. A linguagem atual é dita como híbrida porque se
mistura. A mente humana sempre foi híbrida.
Pergunta:
A rede (internet) conseguiu materializar todas essas linguagens interagindo?
Sim,
pois, antes, cada linguagem ocupava o seu meio (suporte) e agora tudo convergiu
para o computador. Santaella crê que a
primeira coisa que vai desaparecer serão os livros didáticos – por conta dos tablets.
Pergunta:
Pede-se para ela explicar a matriz sonora estando mais ligada à lógica do som e
menos ao som no sentido físico, de forma mais abstrata, como parece ter sido
definido pela palestrante em algum outro documento.
Questão
crucial na teoria das três matrizes. O som tem a ver com a sintaxe – e a
sintaxe está em todas as linguagens. O vídeo e o cinema são linguagens
plásticas com características da linguagem sonora. As linguagens estão
aumentando, estão crescendo, estão se multiplicando e, com isso, estão se
misturando. São essas misturas que a gente precisa compreender no ensino e na
aprendizagem. Quem não compreende, fica preso à superfície das coisas.
Pergunta:
Hibridismo e ecologia plural da comunicação.
Estamos
vivendo um hibridismo de linguagens (mistura de linguagens), de modo que
dificilmente se encontra uma linguagem isoladamente. Até mesmo os livros estão
ficando mais arejados, com mais imagens, com indicações de recursos externos,
parecendo com o jornal, que já é uma linguagem híbrida desde muito tempo, pela
estruturação em partes (primeira página chamando algo que está em outro
caderno, etc). A linguagem das redes não é a linguagem escrita dos livros, pois
mistura a oralidade com a escrita, como já foi a linguagem do telégrafo [que
não era a mesma linguagem escrita, mas algo muito próprio daquele veículo].
Atividade para avaliação
Atenção:
a produção da atividade deverá seguir as normas ABNT.
Uso
de mídias em projetos da minha cidade
No
texto Mídia-educação: conceitos, história e perspectivas, as autoras Bévort e
Belloni indicam algumas dificuldades quanto à consolidação do campo
mídia-educação. Segundo as autoras, uma das dificuldades relaciona-se à “influência
de abordagens baseadas nos efeitos negativos das mídias que tendem a bani-las
da educação, em lugar da compreensão das implicações sociais, culturais e
educacionais”; além disso, nas páginas 1082 e 1083, outras dificuldades são
apresentadas.
Diante
deste cenário, busque um exemplo bem-sucedido do uso de mídias na educação em
uma escola próxima de você ou mesmo em projetos divulgados pela internet. Caso
você opte por procurar pela rede, não basta incluir o link do projeto; é preciso realizar uma breve descrição sobre ele,
enfatizando como o projeto utilizou a mídia e os resultados positivos obtidos.
O
foco é que você consiga compreender o uso da mídia em um processo de ensino ou
de aprendizagem.
Fichamento
dos textos
1.
Evelyne
Bévort; Maria Luiza Belloni. Mídia-educação:
conceitos, história e perspectivas. Educ. Soc., Campinas, vol. 30, n. 109,
p. 1081-1102, set./dez. 2009.
Introdução:
relevância e obstáculos
Este
texto defende uma ideia e uma prática indispensáveis para que a formação de educadores
cumpra sua função social: a ideia de que não pode haver cidadania sem
apropriação crítica e criativa, por todos os cidadãos, das mídias que o
progresso técnico coloca à disposição da sociedade; e a prática de integrar
estas mídias nos processos educacionais em todos os níveis e modalidades, sem o
que a educação que oferecemos às novas gerações continuará sendo incompleta e
anacrônica, em total dissonância com as demandas sociais e culturais (...). Mídia-educação
é um campo relativamente novo, com dificuldades para se consolidar (...) devido
sua pouca importância na formação inicial e continuada de profissionais da
educação (...) [e devido a] outros obstáculos importantes: i) ausência de
preocupação com a formação das novas gerações para a apropriação crítica e
criativa das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC); ii)
indefinição de políticas públicas e insuficiência de recursos para ações e
pesquisas; iii) confusões conceituais, práticas inadequadas, “receitas prontas”
para a sala de aula, em lugar da reflexão sobre o tema na formação de
educadores; iv) influência de abordagens baseadas nos efeitos negativos das mídias
que tendem a bani-las da educação, em lugar da compreensão das implicações
sociais, culturais e educacionais; v) integração das TIC à escola de modo
meramente instrumental, sem a reflexão sobre mensagens e contextos de produção (p.1082-1083).
Tais dificuldades e obstáculos explicam-se, em grande parte, no plano
epistemológico, pelas características estruturais do campo da mídia-educação,
que se situa na intersecção dos campos da educação e da comunicação, tendo,
pois, enquanto campo de estudo e de intervenção, as mesmas características destes
dois campos, complexos em razão de suas ambivalências estruturais: são ao mesmo
tempo teóricos e práticos, exigindo para sua compreensão abordagens
interdisciplinares que colocam em relação diferentes disciplinas das ciências
humanas. Não por acaso, as ciências (ou teorias) da educação e as ciências (ou
teorias) da comunicação se declinam no plural (...). É preciso ressaltar que as
mídias são importantes e sofisticados dispositivos técnicos de comunicação que
atuam em muitas esferas da vida social, não apenas com funções efetivas de
controle social (político, ideológico...), mas também gerando novos modos de
perceber a realidade, de aprender, de produzir e difundir conhecimentos e
informações. São, portanto, extremamente importantes na vida das novas gerações,
funcionando como instituições de socialização, uma espécie de “escola paralela”
(p.1083), mais interessante e atrativa que a instituição escolar, na qual
crianças e adolescentes não apenas aprendem coisas novas, mas também, e talvez
principalmente, desenvolvem novas habilidades cognitivas, ou seja, “novos modos
de aprender”, mais autônomos e colaborativos, ainda ignorados por professores e
especialistas (Porcher, 1974; Perriault, 2002; Belloni & Gomes, 2008;
Belloni et al., 2007; Belloni, s/d) (...). Do ponto de vista conceitual, a
questão mais importante é a integração destes dispositivos técnicos aos
processos educacionais e comunicacionais. (...) Esta integração tende a ocorrer
de modo bastante desigual: ela é alta e rápida nos processos de comunicação,
onde os agentes (as “mídias”) se apropriam imediatamente das novas tecnologias
e as utilizam numa lógica de mercado; e tende a ser muito baixa nos processos
educacionais (...); o acesso e a
apropriação das TIC ocorrem também de modo muito desigual, segundo as classes
sociais e as regiões do planeta. A integração das TIC na escola, em todos os
seus níveis, é fundamental, porque estas técnicas já estão presentes na vida de
todas as crianças e adolescentes e funcionam – de modo desigual, real ou
virtual – como agências de socialização, concorrendo com a escola e a família
(...). Por isso, é importante considerar esta integração, na perspectiva da
mídia-educação, em suas duas dimensões inseparáveis: objeto de estudo e
ferramenta pedagógica, ou seja, como educação para as mídias, com as mídias,
sobre as mídias e pelas mídias (p.1084).
Histórico:
conceito em evolução, práticas em dispersão
Em
sua fase pioneira, nos anos de 1950/1960, na Europa, nos Estados Unidos e no
Canadá, o interesse pela mídia-educação aparece como uma preocupação com os
aspectos políticos e ideológicos decorrentes da crescente importância das
mídias na vida cotidiana e se refere mais à informação sobre a atualidade,
principalmente política (...). A expressão “educação para as mídias” ou “mídia-educação”
aparece em organismos internacionais, particularmente na UNESCO, nos anos 1960
e, num primeiro momento, refere-se, de modo um tanto confuso, à capacidade
destes novos meios de comunicação de alfabetizarem, em grande escala,
populações privadas de estruturas de ensino e de equipes de pessoal
qualificado, ou seja, às virtudes educacionais das mídias de massa como meios
de educação a distância (p.1085). Outra área que irá conhecer, nos anos 1970,
significativo desenvolvimento, especialmente nos Estados Unidos e na América
Latina [é] a tecnologia educacional, como ferramenta do planejamento de
educação, vista como panaceia para melhorar qualitativa e quantitativamente os
sistemas educacionais nos países do terceiro mundo (Belloni & Subtil, 2002)
(p.1086). Mídia-educação [foi] definida, na Declaração de Grünwald (1982), como
uma formação para a compreensão crítica das mídias, mas também se reconheceu o
papel potencial das mídias na promoção da expressão criativa e da participação
dos cidadãos, pondo em evidência as potencialidades democráticas dos
dispositivos técnicos de mídia. Este documento fundador deixa vislumbrar a
ideia da dupla dimensão da mídia-educação e, sobretudo, a consideração das
mídias não só como meios de comunicação de massa, cuja leitura crítica é
preciso desenvolver, mas também como meios de expressão da opinião e da
criatividade pessoais, cuja apropriação é necessária assegurar a todos os
cidadãos (p.1087). A noção de mídia-educação proposta neste documento vai além
das anteriores, caracterizando-se como uma “alfabetização” (literacy) alargada, com uma abordagem
mais integrada do ensino da linguagem e da comunicação e mais ampla, em termos
de suportes técnicos, abrangendo todas as mídias modernas. O foco, porém, não é
o uso pedagógico ou didático das mídias, mas as experiências midiáticas dos
jovens fora da escola para, a partir delas, ensinar sobre as mídias (p.1088).
A passagem do
século: internet e novíssimas TIC
Ao
final do século XX, observa-se uma verdadeira “revolução tecnológica”,
decorrente do avanço técnico nos campos das telecomunicações e da informática,
colocando à disposição da sociedade possibilidades novas de comunicar e de
produzir e difundir informação. O conjunto das chamadas “indústrias culturais”
(rádio, cinema, televisão, impressos) vive uma mutação tecnológica sem
precedentes (...). Do ponto de vista dos usuários, tal mutação leva um nome:
internet (...). Com a difusão crescente em ritmo exponencial, mesmo em países
pobres, das TIC e da internet, simples usuários sem formação específica podem
ter acesso a mídias sofisticadas, que permitem interatividade e acesso à
informação e entretenimento quase sem limites. As mídias tornam-se mais
individualizadas, impregnantes e invasivas. Da “aldeia global”, passamos à “sociedade
da informação ou do conhecimento” e, sobretudo, à “sociedade em rede”, com suas
utopias e aporias (inteligência coletiva, autonomia, democratização da cultura,
realidade virtual...). (...) O papel da mídia-educação torna-se ainda mais
crucial e sua realização mais complexa, face às ilusões libertárias e
igualitárias das promessas da “rede” (p.1090). As novas TIC representam,
evidentemente, novos desafios para a mídia-educação, que deve aprender a lidar
com: uma cultura midiática muito mais interativa e participativa entre os
jovens; fronteiras indefinidas entre a elite produtora de mensagens e a massa
de consumidores; novos modos de fazer política e novas possibilidades
democráticas (p.1090-1091). Apareceram diferenças de conceitos de mídia-educação
e diversidade de experiências, necessidades e finalidades segundo os países e
regiões do planeta: países ricos (como a Austrália, o Canadá e vários outros da
Europa) destacam objetivos de formação de indivíduos críticos, independentes e
participativos, enquanto países [em desenvolvimento] (Índia, Brasil, África do
Sul) reafirmam a importância da mídia-educação para a formação da cidadania em
toda a comunidade, para a democratização e a justiça social. Para estes [países]
participantes “do sul”, [a ideia de] mídia-educação é mais ampla, incluindo não
apenas as crianças na escola, mas adultos na sociedade como um todo (p.1093). Os
obstáculos mais importantes ao pleno desenvolvimento da mídia-educação e sua
integração aos sistemas educacionais formais são: i) falta de vontade política
e apoio insuficiente dos organismos oficiais, que dificultam, senão
impossibilitam, a integração nos espaços escolares de programas e ações de
mídia-educação; ii) ausência de políticas públicas e decorrente penúria de
investimentos, fazendo com que a mídia-educação não consiga superar o estágio
de movimento militante, mais ou menos marginalizado segundo os países e as regiões;
iii) as próprias mídias não demonstram nenhuma boa vontade com ações de
mídia-educação, particularmente quando os objetivos são estimular o pensamento
crítico sobre as mídias e a participação democrática (p.1093-1094). O fator
principal da falta de empenho dos sistemas midiáticos em colaborar com ações de
mídia-educação é óbvio: as mídias de massa, baseadas na publicidade comercial,
precisam de audiências desavisadas, distraídas, embevecidas pelas aventuras dos
heróis das ficções ou embaladas por informações fragmentadas, prontas a aceitar
sem pensar os argumentos de mensagens publicitárias animadas, coloridas,
envolventes. Os sistemas de mídia necessitam de públicos não-educados, acríticos,
cujo tempo de cérebro suas mensagens preenchem (p.1094).
Perspectivas para
o futuro: Agenda de Paris e Carta de Mídia-Educação
Embora
existam iniciativas interessantes – porém, em geral elas são paralelas, têm
caráter facultativo, fora do tempo escolar e dos programas obrigatórios, e
dependem da boa vontade de atores motivados –: 25 anos depois de Grünwald, a
mídia-educação continua a ser, na maioria dos países, uma preocupação e uma
prática de educadores e jornalistas militantes (UNESCO, 2007) (p.1095). A
Agenda de Paris reafirma a convicção de que a mídia-educação, como parte da
formação para a cidadania, é indispensável para que a sociedade “da informação
seja plural, inclusiva e participativa (novos aspectos da democracia)” (p.1096).
Frente às práticas de uso da internet, dos telefones celulares (...),
dispositivos técnicos sofisticados imediatamente incorporados pelos jovens, “naturalmente”,
sem necessidade de formação específica, não podemos mais considerar estes
jovens meramente como públicos receptores e consumidores com necessidade de
“leitura crítica”. Estamos diante de problemas bem mais complexos que exigem
novas posturas, novos conceitos e orientações, novos modos de ensinar,
adequados aos novos modos de aprender que crianças e jovens desenvolvem no
contato com as TIC (Belloni & Gomes, 2008; Belloni, s/d). Em decorrência,
não apenas a dupla dimensão da mídia-educação nos espaços escolares (objeto de
estudo e ferramenta pedagógica) é claramente definida, mas acrescenta-se uma
dimensão nova, que até então aparecia de modo implícito: a apropriação das
mídias como meios ou ferramentas de expressão e participação, acessíveis a
qualquer cidadão jovem ou adulto (p.1098). Segundo V. Reding, da Comissão Europeia,
“a mídia-educação é hoje tão necessária ao exercício completo de uma cidadania
ativa, quanto era, no início do século 19, o domínio da leitura e da escrita”. A
Agenda de Paris reafirma, com muita ênfase, a necessidade da mídia-educação
face à onipresença das mídias na vida social, principalmente na vida dos
jovens, como elementos importantes da cultura contemporânea, como meios
potenciais de participação ativa do cidadão e como ferramentas de expressão da
criatividade pessoal. Ressalta também a importância cada vez maior da
mídia-educação para lutar contra as desigualdades (sociais e regionais) de
acesso às diferentes mídias e para a formação das competências necessárias ao
domínio técnico e à compreensão crítica, não apenas das mensagens das mídias,
como das forças político-econômicas que as estruturam. Competências estas
indispensáveis para o exercício pleno da cidadania, ou seja, para estimular a
participação ativa dos jovens baseada na valorização das diversidades culturais
e identitárias (p.1099).
2.
Lúcia
Santaella. Da cultura das mídias à
cibercultura: o advento do pós-humano. Revista FAMECOS. Porto Alegre, n. 22,
dezembro 2003.
Este
artigo trata da questão do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação
e sua implicação em todas as esferas da sociedade (...). Para Robins e Webster (1999,
p. 111), se as forças do capital corporativista e os interesses políticos forem
bem-sucedidos na introdução sistemática dessas novas tecnologias – da robótica
aos bancos de dados, da internet aos jogos de realidade virtual –, então a vida
social será transformada em quase todos os seus aspectos. O desenvolvimento estratégico
das tecnologias da informática e comunicação terá, então, reverberações por
toda a estrutura social das sociedades capitalistas avançadas. Tendo em vista a
relevância das reverberações que já se fazem presentes e daquelas que estão por
vir, tenho defendido a ideia de que nós, intelectuais, pesquisadores e mestres,
devemos nos dedicar à tarefa de gerar conceitos que sejam capazes de nos levar
a compreender de modo mais efetivo as complexidades com que a realidade em
mutação nos desafia (p.23).
As formações
socioculturais
Para
compreender essas passagens de uma cultura à outra, que considero sutis, tenho
utilizado uma divisão das eras culturais em seis tipos de formações: a cultura
oral, a cultura escrita, a cultura impressa, a cultura de massas, a cultura das
mídias e a cultura digital. Antes de tudo, deve ser declarado que essas divisões
estão pautadas na convicção de que os meios de comunicação, desde o aparelho
fonador até as redes digitais atuais, não passam de meros canais para a
transmissão de informação. Por isso mesmo, não devemos cair no equívoco de
julgar que as transformações culturais são devidas apenas ao advento de novas
tecnologias e novos meios de comunicação e cultura. São, isto sim, os tipos de
signos que circulam nesses meios, os tipos de mensagens e processos de comunicação
que neles se engendram os verdadeiros responsáveis, não só por moldar o
pensamento e a sensibilidade dos seres humanos, mas também por propiciar o
surgimento de novos ambientes socioculturais (...). Devemos tirar a ênfase que
se costuma colocar nos meios e nas mídias em si para trazer à baila outras determinações
que tendem a ser ocultadas pelo fetiche das mídias. Entre essas determinações,
aquela que é central à comunicação e à cultura é a determinação da linguagem
(p.24). McLuhan, com sua célebre provocação “O meio é a mensagem” (1964), (...)
se [desviou] da tendência comum nas teorias da comunicação de sua época, que separavam,
de um lado, o modo como a mensagem é transmitida e, de outro lado, o conteúdo
da mensagem. Ao colocar ênfase nos meios, McLuhan insistiu na impossibilidade
de se separar a mensagem do meio, pois a mensagem é determinada muito mais pelo
meio que a veicula do que pelas intenções de seu autor. Portanto, em vez de
serem duas funções separadas, o meio é a
mensagem (Lunenfeld, 1999a, p.130) (p.24-25). Ora, mídias são meios – e
meios, como o próprio nome diz, são simplesmente meios, isto é, suportes
materiais, canais físicos, nos quais as linguagens se corporificam e através
dos quais transitam. Por isso mesmo, o veículo, meio ou mídia de comunicação é
o componente mais superficial, no sentido de ser aquele que primeiro aparece no
processo comunicativo. Não obstante sua relevância para o estudo desse
processo, veículos são meros canais, tecnologias que estariam esvaziadas de sentido
não fossem as mensagens que nelas se configuram. Consequentemente, processos
comunicativos e formas de cultura que nelas se realizam devem pressupor tanto
as diferentes linguagens e sistemas sígnicos que se configuram, dentro dos
veículos em consonância com o potencial e limites de cada veículo, quanto devem
pressupor também as misturas entre linguagens que se realizam nos veículos híbridos
de que a televisão e, muito mais, a hipermídia são exemplares. Embora sejam
responsáveis pelo crescimento e pela multiplicação dos códigos e linguagens,
meios continuam sendo meios (...). O segundo aspecto fundamental que o fetiche
das mídias oblitera encontra-se no fato de que quaisquer mídias, em função dos
processos de comunicação que propiciam, são inseparáveis das formas de socialização
e cultura que são capazes de criar, de modo que o advento de cada novo meio de
comunicação traz consigo um ciclo cultural que lhe é próprio e que fica
impregnado de todas as contradições que caracterizam o modo de produção econômica
e as consequentes injunções políticas em que um tal ciclo cultural toma corpo.
Considerando-se que as mídias são conformadoras de novos ambientes sociais, pode-se
estudar sociedades cuja cultura se molda pela oralidade, então pela escrita, mais
tarde pela explosão das imagens na revolução industrial-eletrônica etc. (p.25).
Da cultura das
mídias à cibercultura
Por
volta do início dos anos 1980, começaram a se intensificar cada vez mais os
casamentos e as misturas entre linguagens e meios, misturas essas que funcionam
como um multiplicador de mídias (...). Ao mesmo tempo, novas sementes começaram
a brotar no campo das mídias com o surgimento de equipamentos e dispositivos
que possibilitaram o aparecimento de uma cultura do disponível e do transitório:
fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos para gravação de vídeos, equipamentos
do tipo walkman e walktalk (p.26). Essas tecnologias [e seus] equipamentos e as
linguagens criadas para circularem neles têm como principal característica
propiciar a escolha e o consumo individualizados, em oposição ao consumo
massivo. São esses processos comunicativos que considero como constitutivos de
uma cultura das mídias. Foram eles que nos arrancaram da inércia da recepção de
mensagens impostas de fora e nos treinaram para a busca da informação e do
entretenimento que de sejamos encontrar. Por isso mesmo, foram esses meios e os
processos de recepção que eles engendram que prepararam a sensibilidade dos
usuários para a chegada dos meios digitais – cuja marca principal está na busca
dispersa, alinear, fragmentada, mas certamente uma busca individualizada da
mensagem e da informação (p.27).
A cultura digital
e a moeda corrente da informação
Enfim,
cultura de massas, cultura das mídias e cultura digital, embora convivam hoje em
um imenso caldeirão de misturas, apresentam, cada uma delas, caracteres que
lhes são próprios e que precisam ser distinguidos, sob pena de nos perdermos em
um labirinto de confusões. Uma diferença gritante entre a cultura das mídias e
a cultura digital, por exemplo, está no fato muito evidente de que, nesta
última, está ocorrendo a convergência das mídias, um fenômeno muito distinto da
convivência das mídias típica da cultura das mídias (p.27). A cultura das
mídias é uma cultura do disponível e a cibercultura é a cultura do acesso (...);
a convergência das mídias, na coexistência com a cultura de massas e a cultura
das mídias, (...) tem sido responsável pelo nível de exacerbação que a produção
e a circulação da informação atingiu nos nossos dias e que é uma das marcas
registradas da cultura digital. (...) Informação não é uma quantidade
conservada. Se eu lhe dou informação, você a tem e eu também. Passa-se aí da
posse para o acesso. Este difere da posse porque o acesso vasculha padrões em
lugar de presenças (p.28).
Reações à
ciberrealidade
Para
Heim (1999, p.31-45), o impacto do computador sobre a cultura e a economia tem
dividido os críticos em três tipos de reação. De um lado, os realistas
ingênuos. Estes tomam a realidade como aquilo que pode ser experiência do
imediatamente e alinham os computadores com os poluidores que são jogados no
terreno da experiência pura, não mediatizada. Quando dá voz a suas inquietações,
o realista ingênuo faz soar alarmes que estão em agudo contraste com os bons augúrios
dos idealistas das redes. Estes consideram o mundo das redes o melhor dos mundos
e apontam para os ganhos evolutivos da espécie. “São otimistas e, nos maus
dias, exibem uma felicidade preocupada”. Para o autor (ibid., p. 38), tanto os
realistas ingênuos quanto os idealistas são os dois lados da mesma moeda.
“Enquanto o idealista avança com otimismo sem reservas, o realista pisa para trás
movido pelo desejo de nos assentar fora da tecnologia”. Além dos realistas e
idealistas, Heim encontra um terceiro grupo, o dos céticos. Convictos de que as
tentativas para compreender o processo, não importa quão inteligentes elas
possam ser, são inócuas, eles insistem que o ciberespaço está atravessando um
processo de nascimento muito confuso. Trata-se de um ceticismo que resulta em
uma atitude de deixar acontecer para ver como é que fica (p.29).
Desafios do
pós-humano
Não
há porque desenvolver medos apocalípticos a respeito disso. As máquinas vão
ficar cada vez mais parecidas com o ser humano – e não o contrário. É nessa
direção que caminham as pesquisas atuais em computação. Mas, ao mesmo tempo,
também não se trata de desenvolver ideologias salvacionistas a respeito das tecnologias.
Se elas são crias nossas, inevitavelmente carregam dentro de si nossas
contradições e paradoxos (p.30). A rápida evolução do computador comparada com
aquela de tecnologias anteriores, quando contrastada com a ausência de evolução
na forma humana, levou o teórico e artista da realidade virtual Myron Krueger a
prever que a interface última entre o computador e as pessoas estará voltada
para o corpo humano e os sentidos humanos (apud Hillis, 1999: 6). Vem daí a importância
que tenho dado às metamorfoses, no mais das vezes invisíveis, do corpo humano e
às transformações na sensibilidade que vêm sendo exploradas pelos artistas
(...). A expressão “pós-humano” é perturbadora. De fato, essa expressão pode
trazer muitos mal-entendidos. O primeiro significado que costuma vir à mente
das pessoas é o de que o humano já era, foi-se, perdeu-se no golpe dos
acontecimentos. Não se trata disso. O termo pós-humano vem sendo empregado especialmente
por artistas ou teóricos da arte e da cultura desde o início dos anos 1990. A
expressão tem sido usada para sinalizar as grandes transformações que as novas
tecnologias da comunicação estão trazendo para tudo o que diz respeito à vida
humana, tanto no nível psíquico quanto social e antropológico. Há alguns autores
que até defendem a ideia de que se trata de um passo evolutivo da espécie. Uso
a expressão deliberada e estrategicamente para chamar atenção para o fato de
que não podemos nos furtar à reflexão sobre as modificações por que o ser
humano vem passando – modificações não apenas mentais, mas também corporais,
moleculares (p.31).
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