UNIVESP
– Curso de Pedagogia
Disciplina: Sociologia da Educação
Semana
6 - Educação em Direitos Humanos e a atuação docente
joralimaTEXTO
Os
objetivos dessa semana são:
1. Entender a Educação como Direito
e a Educação em Direitos Humanos;
2. Compreender a relação intrínseca
entre essas duas temáticas;
3. Refletir sobre a necessidade da
Educação em Direitos Humanos e as possibilidades da prática em sala de aula.
Videoaula
1
Direitos Humanos na América Latina e no
Brasil (12:27’ a 25:52’).
Profa.
Ana Maria Klein
Entrevista
com o Prof. Solon Viola. Direito humano é uma declaração. É um desejo. Os DH
não estão presos às fronteiras. Meio Ambiente, por exemplo, não respeita
fronteira. É preciso derrubar muros. A condição de cidadania é a condição de um
ser humano em um determinado país. Como a escola pode lidar com os DH? A escola
precisa entender que o aluno tem direitos e precisa saber desses direitos. A
sala de aula deve ser o lugar da palavra e do pensamento. As pessoas aprendem a
conhecer o mundo a partir do seu lugar. Não é simples, pois a sociedade
brasileira é a historicamente feita de privilégios, tendo dificuldade de
conhecer o outro como um igual. Precisamos começar por conhecer os DH. Mas isso
não basta, embora seja um avanço gigantesco. Se você se sabe senhor dos
direitos você vai morar em lugares dignos. E você não vai tolerar que outros
não morem em lugares dignos. Conhecendo, você se move para tornar concreto o
que você conhece. Deixar que o outro decida por mim indica que não conheço.
Qual o papel da escola nesse processo do conhecer, do querer e do realizar os DH?
O primeiro processo é o conhecimento. O segundo é o exercício desse
conhecimento. Quanto tempo demora para o conhecimento universitário chegar à
escola? Muito tempo. O conhecimento universal chega até os alunos (pela difusão
da TV). Então, o papel dos meios de comunicação deve ser reconhecido pela
escola. Direitos humanos são o reconhecimento do outro, de que somos iguais e
somos diferentes. Sonhar para além do cotidiano para formar uma cultura de DH.
Videoaula
Práticas
Educacionais em Direitos Humanos na Escola
Narração
em off. Taxista Adilson. Os adultos não sabem sobre os DH. Então, as escolas
devem ensinar as crianças. Depoimento de professora de língua portuguesa.
Resolveu levar a questão para escola por conta da falta d’água no bairro.
Propôs a redação de um editorial. A professora de artes usou Guernica (Pablo Picasso) para tratar DH.
O trabalho teve início com atividades de fotografias dos arredores (buracos nas
calçadas, lixo, morador de rua, barracos). A atividade, na avaliação da
professora de artes, serviu para mudar o olhar dos alunos. Saiu do comodismo do
“eu não tenho nada a ver com isso”. Resgate da valorização do ser humano. Embu
das Artes mudou parte da sociedade através de um projeto voltado para a
pedagogia cidadã. Exemplo de livro feito pelos alunos em braile e tinta alto-relevo,
inclusive os desenhos, por conta de uma colega cega. Dinâmica da bexiga.
Vídeo-base
A história dos
Direitos Humanos - Youth for Human Rights
Os
Direitos Humanos são uma construção histórica. O vídeo, produzido pela
organização Youth for Human Rights, retrata a construção desse processo desde
Ciro (depois da conquista da Babilônia), imperador persa de 558-528 aC., e de
sua trajetória de avanços e retrocessos até a elaboração da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, a partir das Nações Unidas (em 1948).
Vídeo de apoio
Convivência
democrática na escola - UNIVESP
Bom
Retiro, cidade de São Paulo. Escola estadual Marechal Deodoro. Trinta porcento
dos alunos são estrangeiros, muitos filhos de estrangeiros e muito mais são filhos
de famílias de outras regiões do Brasil. Há preconceito entre as crianças? Sim,
segundo os professores (e os próprios alunos). O que há para aprender com
alguém quem vem de outro lugar? Essa abordagem foi utilizada por uma das
professoras para compartilhar as culturas entre os alunos e diluir as
diferenças que poderiam ser entendidas como preconceitos. Escola de Aplicação
da USP. Projeto Negritude. Preto é cor, mas a professora fez os alunos
perceberem que o colega não era preto, era marrom. E o outro era rosa. Usar a
capoeira para tratar de preconceitos. Que imagem de África é essa para a
ancestralidade africana seja um motivo negativo?
Vídeo de apoio
Entrevista
exclusiva | Zygmunt Bauman
Depoimento
em vídeo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, gravado em sua casa na cidade de
Leeds, Inglaterra, no dia 23 de julho de 2011, pela equipe da CPFL e do
Fronteiras do Pensamento. Fala sobre o presente e sobre o futuro. Bauman nos
motiva a encarar um grande desafio contemporâneo: entender as mudanças que o
advento da modernidade líquida produz na condição humana. Aprendemos com Bauman
a tratar com rigor conceitual – reconhecendo a fluidez entre os laços, entre os
conceitos e os saberes – temas que ainda não haviam conquistado um estatuto acadêmico
claro, como o amor, o medo e a felicidade. Zygmunt Bauman fala de expectativas
para o século XXI, internet, a necessidade de construção de políticas globais,
a construção de uma nova definição de democracia, entre outros temas. [ver de
novo: https://vimeo.com/27702137]
Vídeo de apoio
Entrevista
exclusiva | Solon Viola
O
professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, Solon
Viola, fala sobre a história das diretrizes nacionais para a educação em
direitos humanos. Parte desta entrevista está no episódio Salto Revista –
Educação com ênfase em Direitos Humanos. Aponta para a necessidade de
professores que conheçam os DH para ensinar DH.
Fichamento
1.
Carlos
Roberto Jamil Cury. Direito à educação:
direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p.245-262,
julho/ 2002.
Hoje,
praticamente, não há país no mundo que não garanta, em seus textos legais, o
acesso de seus cidadãos à educação básica. Afinal, a educação escolar é uma
dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que
visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção
no mundo profissional (...). Como se trata de um direito reconhecido, é preciso
que ele seja garantido e, para isso, a primeira garantia é que ele esteja
inscrito em lei de caráter nacional. O contorno legal indica os direitos, os
deveres, as proibições, as possibilidades e os limites de atuação, enfim:
regras. Tudo isso possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem
sempre elas estejam conscientes de todas as suas implicações e consequências. Segundo
Bobbio, “a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica
sempre a existência de um sistema normativo, onde por ‘existência’ devem
entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente
quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A
figura do direito tem como correlato a figura da obrigação” (1992, p. 79-80)
(p.246). Certamente que, em muitos casos, a realização dessas expectativas e do
próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições
sociais de funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade
política por ela reconhecidos (...). É por essas razões que a importância da
lei não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de
realização de direitos sociais (...). Todo o avanço da educação escolar além do
ensino primário foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da
sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a
igualdade de condições sociais (...). A inscrição de um direito no código legal
de um país não acontece da noite para o dia. Trata-se da história da produção
de um direito e que tem sua clara presença a partir da era moderna. Segundo
Bobbio: “Não existe atualmente nenhuma carta de direitos que não reconheça o
direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade –
primeiro, elementar, depois secundária, e pouco a pouco, até mesmo,
universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de
natureza, esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora
posto no estado de natureza porque não emergira na sociedade da época em que
nasceram as doutrinas jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais que
partiam daquelas sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram
principalmente exigências de liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não
ainda de outros bens, como o da instrução, que somente uma sociedade mais
evoluída econômica e socialmente poderia expressar” (1992, p. 75) (p.247). As
luzes da razão, com suas leis racionais, supõem a atualização nos seres
racionais de modo a poder realizar o interesse de todos em cada qual. A realização
do interesse de cada um, interesse esse racional e oposto ao universo passional,
é tido como um valor que impulsiona a ação do indivíduo tendo em vista o
princípio da responsabilidade individual. De acordo com este princípio, cada
pessoa, cada cidadão deveria ser capaz de garantir-se a si mesmo e a seus dependentes,
não cabendo a intervenção do Estado (Oliveira, p. 160, 2000) (...). Daí a
instrução se tornar pública como função do Estado e, mais explicitamente, como
dever do Estado, a fim de que, após o impulso interventor inicial, o indivíduo
pudesse se autogovernar como ente dotado de liberdade e capaz de participar de
uma sociedade de pessoas livres. A importância do ensino primário tornado um
direito imprescindível do cidadão e um dever do Estado impôs a gratuidade como
modo de torná-lo acessível a todos. Por isso, o direito à educação escolar
primária inscreve-se dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis
dos cidadãos (p.248). Em todo o caso, a ligação entre o direito à educação
escolar e a democracia terá a legislação como um de seus suportes e invocará o
Estado como provedor desse bem (...). A intervenção tornar-se-á mais concreta
quando da associação entre gratuidade e obrigatoriedade, já que a
obrigatoriedade é um modo de sobrepor uma função social relevante e
imprescindível de uma democracia a um direito civil. Essa intervenção, posteriormente,
se fará no âmbito da liberdade de presença da iniciativa privada na educação
escolar, de modo a autorizar seu funcionamento e pô-la sub lege (...). Uma análise magistral que invoca a trajetória dos
direitos, seja para classificá-los, seja para mostrar sua progressiva evolução,
é aquela oferecida por um célebre texto de Thomas Marshall (1967). Ele se
debruça sobre a experiência da Inglaterra e a partir daí diferencia os direitos
e os classifica por períodos. Desse modo, os direitos civis se estabeleceriam
no século XVIII, os políticos, no século XIX, e os sociais, no século XX. Nessa
trajetória o autor fará referências à educação e à instrução escolar. Para o
autor, a história do direito à educação escolar é semelhante à luta por uma
legislação protetora dos trabalhadores da indústria nascente, pois, em ambos os
casos, foi no século XIX que se lançaram as bases para os direitos sociais como
integrantes da cidadania. Segundo Marshall, “a educação é um pré-requisito
necessário da liberdade civil” e, como tal, um pré-requisito do exercício de
outros direitos. O Estado, neste caso, ao interferir no contrato social, não
estava conflitando com os direitos civis. Afinal, esses devem ser utilizados
por pessoas inteligentes e de bom senso e, para tanto, segundo o autor, o ler e
o escrever são indispensáveis. (p.249). [Para] Bobbio (1986): “O problema mais
difícil para uma teoria racional (ou que pretende ser racional) do Estado é o
de conciliar dois bens a que ninguém está disposto a renunciar e que são (como
todos os bens últimos) incompatíveis: a obediência e a liberdade” (p. 83)
(p.250). Esta ruptura com uma concepção individualista de liberdade da
sociedade também contém uma base liberal à medida que esta forma de sociedade
tem afirmado a relação política não mais como algo ex parte principis, mas como ex
parte civium: ...característica da formação do Estado moderno, ocorrida na
relação entre Estado e cidadãos: “passou-se da prioridade dos deveres dos
súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de
encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e
sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria
individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista
tradicional” (Bobbio, 1992, p. 3) (...). Desse modo, até com a justificativa de
impulsionar o indivíduo na busca da educação, muitos países farão da educação
primária uma condição para o exercício dos direitos políticos, em especial o do
voto (p.251). Também Stuart Mill havia apontado que: “a educação, portanto, é
uma dessas coisas que é admissível, em princípio, ao governo ter de
proporcionar ao povo. Trata-se de um caso ao qual não se aplicam necessária e
universalmente as razões do princípio da não-interferência [...]. É, pois, um
exercício legítimo dos poderes do governo impor aos pais a obrigação legal de dar
instrução elementar aos filhos” (1983, p. 404). Assim, tanto a Inglaterra, como
a França, a Alemanha e outros países europeus, no século XIX, fizeram reformas
educativas nas quais se cruzam as ideias do pensamento liberal com a ação
intervencionista do Estado e com o controle inicial do trabalho infantil.
Acreditava-se que a instrução primária seria uma vacina contra o despotismo já
vivido por muitos países tanto quanto uma forma de questionar a dominância do
trabalho manual, entre os adultos, e a presença de crianças no regime fabril
(p.252). O direito à educação, como direito declarado em lei, é recente e
remonta ao final do século XIX e início do século XX. Mas seria pouco realista
considerá-lo independente do jogo das forças sociais em conflito (p.253). Assim,
seja por razões políticas, seja por razões ligadas ao indivíduo, a educação era
vista como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política e, como tal, um
caminho também de emancipação do indivíduo diante da ignorância. Dado este leque
de campos atingidos pela educação, ela foi considerada, segundo o ponto de vista
dos diferentes grupos sociais – ora como síntese dos três direitos assinalados
– os civis, os políticos e os sociais ora como fazendo parte de cada qual dos
três. A magnitude da educação é assim reconhecida por envolver todas as
dimensões do ser humano: o singulus,
o civis e o socius. O singulus, por
pertencer ao indivíduo como tal, o civis,
por envolver a participação nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade
básica entre todos os homens. Essa conjunção dos três direitos na educação
escolar será uma das características do século XX (p.254). A dialética entre o
direito à igualdade e o direito à diferença na educação escolar como dever do
Estado e direito do cidadão não é uma relação simples. De um lado, é preciso
fazer a defesa da igualdade como princípio de cidadania, da modernidade e do
republicanismo. A igualdade é o princípio tanto da não-discriminação quanto ela
é o foco pelo qual homens lutaram para eliminar os privilégios de sangue, de
etnia, de religião ou de crença (...). Mas isto não é fácil, já que a
heterogeneidade é visível, é sensível e imediatamente perceptível, o que não
ocorre com a igualdade. Logo, a relação entre a diferença e a heterogeneidade é
mais direta e imediata do que a que se estabelece entre a igualdade e a
diferença (...). A defesa das diferenças, hoje tornada atual, não subsiste se
levada adiante em prejuízo ou sob a negação da igualdade (p.255). Por isso, os
Estados democráticos de direito zelam em assinalar as discriminações que devem
ser sempre proibidas: origem, raça, sexo, religião, cor, crença. Ao mesmo
tempo, seria absurdo pensar um igualitarismo, uma igualdade absoluta, de modo a
impor uniformemente as leis sobre todos os sujeitos e em todas as situações. Um
tratamento diferenciado só se justifica perante uma situação objetiva e
racional e cuja aplicação considere o contexto mais amplo. A diferença de
tratamento deve estar relacionada com o objeto e com a finalidade da lei e ser
suficientemente clara e lógica para a justificar (p.255-256). A realidade
demonstra que o caminho europeu, no sentido das conquistas de direitos
consagrados em lei, nem sempre foi o mesmo dos países que conheceram a (...)
colonização. E, mesmo no meio dos países colonizados, ainda resta avaliar o
impacto sociocultural da colonização quando acompanhada de escravatura. A
conquista do direito à educação, nestes países, além de mais lenta, conviveu e
convive ainda com imensas desigualdades sociais. Neles, à desigualdade se soma
a herança de preconceitos e de discriminações étnicas e de gênero incompatíveis
com os direitos civis. Em muitos destes países, a formalização de conquistas
sociais em lei e em direito não chega a se efetivar por causa desses constrangimentos
herdados do passado e ainda presentes nas sociedades (p.256-257). Ao contrário
de muitos países europeus, [muitos dos] países colonizados não contaram, desde
logo, com processos de industrialização e de constituição de uma forte classe
operária. Assim sendo, para as classes dirigentes, a educação não se impôs como
uma necessidade socialmente significativa para todos (...). A escravidão, o
caráter agrário-exportador desses países e uma visão preconceituosa com relação
ao “outro” determinaram uma estratificação social de caráter hierárquico (...).
Na perspectiva dessas classes dirigentes, era suficiente para as classes
populares serem destinatárias da cultura oral (...). Os países
latino-americanos, por exemplo, sofreram a colonização ibérica e por ela
conheceram o impacto da Contra-Reforma em face da sua população nativa ou
escravizada. Para as elites, tais povos eram “selvagens”, “incivilizados” e
“incultos” (...). A leitura e a interpretação de livros em geral ou dos livros
sagrados eram reservadas aos bacharéis e aos teólogos, autorizados pela Igreja
católica. Daí porque a transmissão oral ganha relevância sobre a transmissão
baseada no acesso à leitura e à escrita a todos. Tal tradição se opõe à
experiência europeia dos países que conheceram a Reforma. Neles, a tese
luterana da sola fide et sola scriptura
implicou não só o desenvolvimento da imprensa como também o incentivo a que
todos os fiéis, mediante a instrução, pudessem ler os livros sacros e meditar
sobre a palavra de Deus. Por isso, nestes países colonizados, será longa e
árdua a luta pelo direito à educação em geral e pela educação primária em
especial. Não serão fáceis a inscrição e a declaração deste direito nas leis
destes países (p. 257). Declarar um direito é muito significativo. Equivale a
colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto
prioritário das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse
direito quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do
Estado, no sentido de assegurá-lo e implementá-lo. A declaração e a garantia de
um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com
forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas
privilegiadas o acesso a este bem social. Por isso, declarar e assegurar é mais
do que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar
aos que não sabem, ou esqueceram, que eles continuam a ser portadores de um
direito importante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando
ele não é respeitado. O Brasil, por exemplo, reconhece o ensino fundamental
como um direito desde 1934 e o reconhece como direito público subjetivo desde
1988. Em 1967, o ensino fundamental (primário) passa de quatro para oito anos
obrigatórios. Ele é obrigatório, gratuito e quem não tiver tido acesso a esta
etapa da escolaridade pode recorrer à justiça e exigir sua vaga. Neste sentido,
o direito público subjetivo está amparado tanto pelo princípio que ele o é,
assim por seu caráter de base e por sua orientação finalística, quanto por uma
sanção explícita quando de sua negação para o indivíduo-cidadão. Para esses
oito anos obrigatórios não há discriminação de idade. Qualquer jovem, adulto ou
idoso tem este direito e pode exigi-lo a qualquer momento perante as autoridades
competentes (p.259). [Para Bobbio:] É com o nascimento do Estado de Direito que
ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos
cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não
direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano,
direitos privados. No Estado de Direito, o indivíduo tem, em face do Estado,
não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o
Estado dos cidadãos (Bobbio, 1992, p.61) (p.259). Segundo Bobbio (1992), a
gênese histórica de um direito começa como uma exigência social que vai se
afirmando até se converter em direito positivo. Esta conversão ainda não
significa a universalização do mesmo. O momento da universalização indica que
aquela exigência, já posta como direito, se torna generalizada para todos os
cidadãos ou amplia os níveis de atendimento. Finalmente há a especificação de
direitos. No primeiro caso, temos, por exemplo, o direito à escola primária
para os homens livres. Outras categorias passam a exigir este direito e, após
muito esforço e luta, pode acontecer tanto a ampliação da escola primária para
todas as pessoas de qualquer gênero, idade ou condição social quanto a
exigência da inclusão de um nível superior da educação escolar para todos. É o
caso da luta pela universalização da escola média (p.260). A educação como
direito e sua efetivação em práticas sociais se convertem em instrumento de
redução das desigualdades e das discriminações e possibilitam uma aproximação
pacífica entre os povos de todo o mundo. A disseminação e a universalização da
educação escolar de qualidade como um direito da cidadania são o pressuposto
civil de uma cidadania universal e parte daquilo que um dia Kant considerou
como uma das condições “da paz perpétua”: o caráter verdadeiramente republicano
dos Estados que garantem este direito de liberdade e de igualdade para todos,
entre outros. Ao mesmo tempo, a relação que se estabelece entre professor e
aluno é de tal natureza que os conteúdos e os valores, ao serem apropriados,
não se privatizam. Quanto mais processos se dão, mais se multiplicam, mais se
expandem e se socializam. A educação, com isto, sinaliza a possibilidade de uma
sociedade mais igual e humana (p.260-261).
2.
Yrama
Siqueira Fernandes; Vera Maria Ferrão Candau. Direito à qualidade da educação e educação em direitos humanos:
inter-relações e desafio. Educação (Porto Alegre), v. 40, n. 1, p. 2-9,
jan.-abr. 2017
Introdução
O
direito humano à educação é um dos principais direitos sociais. Por outro lado,
convém ter presente que o conceito de direitos humanos não é consensual, vai
variar de acordo com a orientação tomada quanto aos fenômenos jurídicos. Bobbio
(2004, p. 16) afirma que é uma ilusão atribuir um fundamento absoluto para os
direitos humanos, já que são construídos historicamente e, portanto, relativos (...).
Um dos objetivos primordiais para o surgimento de direitos é a regulação da vida
em comum dentro das necessidades das sociedades em contextos históricos específicos.
O direito à educação também advém de processo histórico e por esse motivo
faz-se necessário abordar quais temas lhe estão associados na atualidade. A
luta por sua efetivação colocou primeiramente o foco na universalização da
escolarização. Na medida em que esse objetivo foi sendo alcançado, mesmo sem
ter sido até hoje plenamente logrado, a questão da qualidade foi adquirindo
cada vez maior centralidade. O direito à educação de qualidade tem se
apresentado na atualidade como um desafio para a sua real democratização (OLIVEIRA
e ARAÚJO, 2005; CAMPOS e HADDAD, 2006). Da mesma forma, muito se tem discutido
sobre qual qualidade seria essa, sendo esse um tema de disputas dentro do campo
educacional (p.3).
Direito humano à
educação e educar em direitos humanos: uma aproximação
Desde
a Revolução Francesa (1789) que o direito à instrução era concebido como
condição da cidadania (...). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948),
a educação como um direito humano universal aparece no mesmo patamar do direito
à vida, à segurança, à paz, à saúde e ao bem-estar, assim como os direitos humanos
são concebidos com princípio e conteúdo do direito à educação (p.3). Não há a
palavra cidadão, que supõe um exercício, mas sim a palavra pessoa concebida
como sujeito de dignidade e direitos, sem nenhuma restrição a um dado Estado,
e, portanto, universalizando o referido direito (...). Não basta que todos e
todas tenham acesso à educação. É necessário também que a educação fornecida
propicie expandir a humanidade de cada pessoa e ainda reforce o reconhecimento
dos direitos e do seu exercício, daí porque a educação atua na perspectiva
para, sobre ou em direitos humanos (p.4). A educação para alcançar a
perspectiva da cidadania social deve, assim, ter como um de seus objetivos a formação
de cidadãos ativos, que possam participar das decisões e do governo da
sociedade, exigindo, realizando e criando direitos (p.4). [Para Saviani,] a
educação, para além de se constituir em determinado tipo de direito, o direito
social, configura-se como condição necessária, ainda que não suficiente para o
exercício de todos os direitos, sejam eles civis, políticos, sociais,
econômicos ou de qualquer outra natureza (SAVIANI, 2013, p. 745) (p.4). Tomasevsky
(2006, p. 75), então relatora da ONU para o direito à educação, afirma: “O
modelo de educação foi construído com base nas características daqueles que
primeiro foram autodeclarados portadores do direito à educação, favorecendo o
homem sobre a mulher, o colonizador sobre o colonizado” (TOMASEVSKY, 2006, p.
75) (p.4).
Educa em direitos
humanos e qualidade da educação: articulações
[Para
Candau], no que diz respeito à inter-relação entre direito à educação e
educação em direitos humanos, num primeiro momento, as reflexões sobre estes
campos se deram de modo independente. No entanto, foram se aproximando
progressivamente e foi sendo assumida a perspectiva que considera a educação em
direitos humanos como um componente do direito à educação e elemento
fundamental da qualidade da educação que desejamos promover. Sendo assim, estas
duas preocupações se entrelaçam na busca da construção de uma educação
comprometida com a formação de sujeitos de direito e a afirmação da democracia,
da justiça e do reconhecimento da diversidade na sociedade brasileira (CANDAU,
2012, p. 724) (p.5).
Direito à educação
de qualidade e educar em direitos humanos: o que pensam professoras do ensino
fundamental
Os
valores, como uma das dimensões éticas da educação em direitos humanos,
encontram-se atrelados à concepção de qualidade educacional (p.7). Para a
educação de qualidade, as professoras [entrevistadas nesta pesquisa] trouxeram
que é necessário que esta esteja proporcionando respeito às diferenças
étnico-raciais e culturais, que esteja presente nela a formação para o exercício
de direitos e, por fim, que seja emancipatória, pois assim estará formando
cidadãos para uma atuação no mundo (...). O tema da qualidade educacional é
ainda o grande desafio no tocante à real democratização da educação (OLIVEIRA e
ARAÚJO, 2005; CAMPOS e HADDAD, 2006) (...). Algumas características de educação
em direitos humanos devem ser contempladas, tais como a valorização das diferenças,
a formação humanizadora, a formação para valores e para uma cidadania
participativa (p.8).
3.
Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
No
dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e
proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo após, a Assembleia
Geral solicitou a todos os Países - Membros que publicassem o texto da Declaração
“para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas
e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na
situação política ou econômica dos Países ou Estados”.
Brasil.
Conceito de Educação em Direitos Humanos.
Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos: Diretrizes
Nacionais. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR.
Brasília, 2013.
Toda
ação educativa com enfoque nos direitos humanos deve conscientizar acerca da
realidade, identificar as causas dos problemas, procurar modificar atitudes e
valores, e trabalhar para mudar as situações de conflito e de violações dos
direitos humanos, trazendo como marca a solidariedade e o compromisso com a
vida (...). A educação se revela como um elemento essencial para a formação do
cidadão enquanto sujeito de direitos (...). A EDH deve ser orientada para o
respeito às diferenças e ao compromisso com a transformação da realidade. Deve
sensibilizar o indivíduo a participar de um processo ativo na resolução dos
problemas em um contexto de realidades específicas e orientar a iniciativa, o
sentido de responsabilidade e o empenho de edificar um amanhã melhor (p.35). O
primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos coloca a dignidade
da pessoa humana em primeiro plano. Esse artigo afirma: “Todas as pessoas
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e
consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de
fraternidade”. [Para Poma (2002)], “uma significação fundamental nesta nova
consciência do ser humano repousa na noção de dignidade. A dignidade da pessoa
é aquela condição em virtude da qual cada ser humano pode exigir ser tratado
como semelhante a todos os demais, seja qual for seu sexo, cor da pele, ideias,
etc. A dignidade que tem cada ser humano é justamente o que nos serve para
reconhecer a cada um como um ser único e irrepetível. Diferentemente das
coisas, que podem ser substituídas, ou compradas, o ser humano não tem preço,
tem dignidade (p. 22)” (p.36). Janine (2002) coloca que os valores democráticos
e os valores republicanos devem ser incorporados ao cotidiano das pessoas em
seu sentido mais íntimo (aquele que governa a vida privada) e não só na esfera
pública. Esta é uma tarefa difícil de ser executada, mas que pode ter na EDH um
espaço de construção de uma responsabilidade coletiva. Em alguns aspectos,
encontrar situações em que não há o respeito a esses valores. A frase célebre
“os fins justificam os meios” nos parece orientar a práxis que tem levado a “[...]
uma cultura de desencantamento, somada a uma versão minimalista da democracia (uma
democracia reduzida ao rito eleitoral e estranha à participação substantiva),
ajuda a expropriar as pessoas da capacidade de decidir” (NOGUEIRA, 2001, p.
120) (p.38). A EDH concebe possibilidade de interação entre as diferentes áreas
do conhecimento, podendo preparar as pessoas para compreender e intervir na
realidade. Ela deve ser problematizadora, geradora de conhecimento e conteúdos
de acordo com as pautas e demandas da sociedade (p.39). Rodino (2003) afirma
que a EDH significa que todas as pessoas, independentemente do que são ou
representam, tenham a possibilidade concreta de receber educação sistemática, ampla
e de boa qualidade que lhes permita: compreender seus direitos humanos e suas
respectivas responsabilidades; respeitar e proteger os direitos humanos de
outras pessoas; entender a inter-relação entre direitos humanos, estado de
direito e governo democrático, e exercitar, em sua interação diária de valores,
atitudes e condutas consequentes com os direitos humanos e os princípios
democráticos (p.40).
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