domingo, 10 de junho de 2018

UNIVESP – Curso de Pedagogia - Disciplina: Sociologia da Educação - Semana 6 - Educação em Direitos Humanos e a atuação docente joralimaTEXTO

UNIVESP – Curso de Pedagogia
Disciplina: Sociologia da Educação
Semana 6 - Educação em Direitos Humanos e a atuação docente


joralimaTEXTO


Os objetivos dessa semana são:
                                
1. Entender a Educação como Direito e a Educação em Direitos Humanos;
2. Compreender a relação intrínseca entre essas duas temáticas;
3. Refletir sobre a necessidade da Educação em Direitos Humanos e as possibilidades da prática em sala de aula.


Videoaula 1

Direitos Humanos na América Latina e no Brasil (12:27’ a 25:52’).
Profa. Ana Maria Klein

Entrevista com o Prof. Solon Viola. Direito humano é uma declaração. É um desejo. Os DH não estão presos às fronteiras. Meio Ambiente, por exemplo, não respeita fronteira. É preciso derrubar muros. A condição de cidadania é a condição de um ser humano em um determinado país. Como a escola pode lidar com os DH? A escola precisa entender que o aluno tem direitos e precisa saber desses direitos. A sala de aula deve ser o lugar da palavra e do pensamento. As pessoas aprendem a conhecer o mundo a partir do seu lugar. Não é simples, pois a sociedade brasileira é a historicamente feita de privilégios, tendo dificuldade de conhecer o outro como um igual. Precisamos começar por conhecer os DH. Mas isso não basta, embora seja um avanço gigantesco. Se você se sabe senhor dos direitos você vai morar em lugares dignos. E você não vai tolerar que outros não morem em lugares dignos. Conhecendo, você se move para tornar concreto o que você conhece. Deixar que o outro decida por mim indica que não conheço. Qual o papel da escola nesse processo do conhecer, do querer e do realizar os DH? O primeiro processo é o conhecimento. O segundo é o exercício desse conhecimento. Quanto tempo demora para o conhecimento universitário chegar à escola? Muito tempo. O conhecimento universal chega até os alunos (pela difusão da TV). Então, o papel dos meios de comunicação deve ser reconhecido pela escola. Direitos humanos são o reconhecimento do outro, de que somos iguais e somos diferentes. Sonhar para além do cotidiano para formar uma cultura de DH.

Videoaula

Práticas Educacionais em Direitos Humanos na Escola

Narração em off. Taxista Adilson. Os adultos não sabem sobre os DH. Então, as escolas devem ensinar as crianças. Depoimento de professora de língua portuguesa. Resolveu levar a questão para escola por conta da falta d’água no bairro. Propôs a redação de um editorial. A professora de artes usou Guernica (Pablo Picasso) para tratar DH. O trabalho teve início com atividades de fotografias dos arredores (buracos nas calçadas, lixo, morador de rua, barracos). A atividade, na avaliação da professora de artes, serviu para mudar o olhar dos alunos. Saiu do comodismo do “eu não tenho nada a ver com isso”. Resgate da valorização do ser humano. Embu das Artes mudou parte da sociedade através de um projeto voltado para a pedagogia cidadã. Exemplo de livro feito pelos alunos em braile e tinta alto-relevo, inclusive os desenhos, por conta de uma colega cega. Dinâmica da bexiga.

Vídeo-base

A história dos Direitos Humanos - Youth for Human Rights

Os Direitos Humanos são uma construção histórica. O vídeo, produzido pela organização Youth for Human Rights, retrata a construção desse processo desde Ciro (depois da conquista da Babilônia), imperador persa de 558-528 aC., e de sua trajetória de avanços e retrocessos até a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a partir das Nações Unidas (em 1948).

Vídeo de apoio

Convivência democrática na escola - UNIVESP

Bom Retiro, cidade de São Paulo. Escola estadual Marechal Deodoro. Trinta porcento dos alunos são estrangeiros, muitos filhos de estrangeiros e muito mais são filhos de famílias de outras regiões do Brasil. Há preconceito entre as crianças? Sim, segundo os professores (e os próprios alunos). O que há para aprender com alguém quem vem de outro lugar? Essa abordagem foi utilizada por uma das professoras para compartilhar as culturas entre os alunos e diluir as diferenças que poderiam ser entendidas como preconceitos. Escola de Aplicação da USP. Projeto Negritude. Preto é cor, mas a professora fez os alunos perceberem que o colega não era preto, era marrom. E o outro era rosa. Usar a capoeira para tratar de preconceitos. Que imagem de África é essa para a ancestralidade africana seja um motivo negativo?

Vídeo de apoio

Entrevista exclusiva | Zygmunt Bauman

Depoimento em vídeo do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, gravado em sua casa na cidade de Leeds, Inglaterra, no dia 23 de julho de 2011, pela equipe da CPFL e do Fronteiras do Pensamento. Fala sobre o presente e sobre o futuro. Bauman nos motiva a encarar um grande desafio contemporâneo: entender as mudanças que o advento da modernidade líquida produz na condição humana. Aprendemos com Bauman a tratar com rigor conceitual – reconhecendo a fluidez entre os laços, entre os conceitos e os saberes – temas que ainda não haviam conquistado um estatuto acadêmico claro, como o amor, o medo e a felicidade. Zygmunt Bauman fala de expectativas para o século XXI, internet, a necessidade de construção de políticas globais, a construção de uma nova definição de democracia, entre outros temas. [ver de novo: https://vimeo.com/27702137]

Vídeo de apoio

Entrevista exclusiva | Solon Viola

O professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Unisinos, Solon Viola, fala sobre a história das diretrizes nacionais para a educação em direitos humanos. Parte desta entrevista está no episódio Salto Revista – Educação com ênfase em Direitos Humanos. Aponta para a necessidade de professores que conheçam os DH para ensinar DH.

Fichamento

1.

Carlos Roberto Jamil Cury. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, n. 116, p.245-262, julho/ 2002.

Hoje, praticamente, não há país no mundo que não garanta, em seus textos legais, o acesso de seus cidadãos à educação básica. Afinal, a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania, e tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional (...). Como se trata de um direito reconhecido, é preciso que ele seja garantido e, para isso, a primeira garantia é que ele esteja inscrito em lei de caráter nacional. O contorno legal indica os direitos, os deveres, as proibições, as possibilidades e os limites de atuação, enfim: regras. Tudo isso possui enorme impacto no cotidiano das pessoas, mesmo que nem sempre elas estejam conscientes de todas as suas implicações e consequências. Segundo Bobbio, “a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a existência de um sistema normativo, onde por ‘existência’ devem entender-se tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A figura do direito tem como correlato a figura da obrigação” (1992, p. 79-80) (p.246). Certamente que, em muitos casos, a realização dessas expectativas e do próprio sentido expresso da lei entra em choque com as adversas condições sociais de funcionamento da sociedade em face dos estatutos de igualdade política por ela reconhecidos (...). É por essas razões que a importância da lei não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de realização de direitos sociais (...). Todo o avanço da educação escolar além do ensino primário foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais (...). A inscrição de um direito no código legal de um país não acontece da noite para o dia. Trata-se da história da produção de um direito e que tem sua clara presença a partir da era moderna. Segundo Bobbio: “Não existe atualmente nenhuma carta de direitos que não reconheça o direito à instrução – crescente, de resto, de sociedade para sociedade – primeiro, elementar, depois secundária, e pouco a pouco, até mesmo, universitária. Não me consta que, nas mais conhecidas descrições do estado de natureza, esse direito fosse mencionado. A verdade é que esse direito não fora posto no estado de natureza porque não emergira na sociedade da época em que nasceram as doutrinas jusnaturalistas, quando as exigências fundamentais que partiam daquelas sociedades para chegarem aos poderosos da Terra eram principalmente exigências de liberdade em face das Igrejas e dos Estados, e não ainda de outros bens, como o da instrução, que somente uma sociedade mais evoluída econômica e socialmente poderia expressar” (1992, p. 75) (p.247). As luzes da razão, com suas leis racionais, supõem a atualização nos seres racionais de modo a poder realizar o interesse de todos em cada qual. A realização do interesse de cada um, interesse esse racional e oposto ao universo passional, é tido como um valor que impulsiona a ação do indivíduo tendo em vista o princípio da responsabilidade individual. De acordo com este princípio, cada pessoa, cada cidadão deveria ser capaz de garantir-se a si mesmo e a seus dependentes, não cabendo a intervenção do Estado (Oliveira, p. 160, 2000) (...). Daí a instrução se tornar pública como função do Estado e, mais explicitamente, como dever do Estado, a fim de que, após o impulso interventor inicial, o indivíduo pudesse se autogovernar como ente dotado de liberdade e capaz de participar de uma sociedade de pessoas livres. A importância do ensino primário tornado um direito imprescindível do cidadão e um dever do Estado impôs a gratuidade como modo de torná-lo acessível a todos. Por isso, o direito à educação escolar primária inscreve-se dentro de uma perspectiva mais ampla dos direitos civis dos cidadãos (p.248). Em todo o caso, a ligação entre o direito à educação escolar e a democracia terá a legislação como um de seus suportes e invocará o Estado como provedor desse bem (...). A intervenção tornar-se-á mais concreta quando da associação entre gratuidade e obrigatoriedade, já que a obrigatoriedade é um modo de sobrepor uma função social relevante e imprescindível de uma democracia a um direito civil. Essa intervenção, posteriormente, se fará no âmbito da liberdade de presença da iniciativa privada na educação escolar, de modo a autorizar seu funcionamento e pô-la sub lege (...). Uma análise magistral que invoca a trajetória dos direitos, seja para classificá-los, seja para mostrar sua progressiva evolução, é aquela oferecida por um célebre texto de Thomas Marshall (1967). Ele se debruça sobre a experiência da Inglaterra e a partir daí diferencia os direitos e os classifica por períodos. Desse modo, os direitos civis se estabeleceriam no século XVIII, os políticos, no século XIX, e os sociais, no século XX. Nessa trajetória o autor fará referências à educação e à instrução escolar. Para o autor, a história do direito à educação escolar é semelhante à luta por uma legislação protetora dos trabalhadores da indústria nascente, pois, em ambos os casos, foi no século XIX que se lançaram as bases para os direitos sociais como integrantes da cidadania. Segundo Marshall, “a educação é um pré-requisito necessário da liberdade civil” e, como tal, um pré-requisito do exercício de outros direitos. O Estado, neste caso, ao interferir no contrato social, não estava conflitando com os direitos civis. Afinal, esses devem ser utilizados por pessoas inteligentes e de bom senso e, para tanto, segundo o autor, o ler e o escrever são indispensáveis. (p.249). [Para] Bobbio (1986): “O problema mais difícil para uma teoria racional (ou que pretende ser racional) do Estado é o de conciliar dois bens a que ninguém está disposto a renunciar e que são (como todos os bens últimos) incompatíveis: a obediência e a liberdade” (p. 83) (p.250). Esta ruptura com uma concepção individualista de liberdade da sociedade também contém uma base liberal à medida que esta forma de sociedade tem afirmado a relação política não mais como algo ex parte principis, mas como ex parte civium: ...característica da formação do Estado moderno, ocorrida na relação entre Estado e cidadãos: “passou-se da prioridade dos deveres dos súditos à prioridade dos direitos do cidadão, emergindo um modo diferente de encarar a relação política, não mais predominantemente do ângulo do soberano, e sim daquele do cidadão, em correspondência com a afirmação da teoria individualista da sociedade em contraposição à concepção organicista tradicional” (Bobbio, 1992, p. 3) (...). Desse modo, até com a justificativa de impulsionar o indivíduo na busca da educação, muitos países farão da educação primária uma condição para o exercício dos direitos políticos, em especial o do voto (p.251). Também Stuart Mill havia apontado que: “a educação, portanto, é uma dessas coisas que é admissível, em princípio, ao governo ter de proporcionar ao povo. Trata-se de um caso ao qual não se aplicam necessária e universalmente as razões do princípio da não-interferência [...]. É, pois, um exercício legítimo dos poderes do governo impor aos pais a obrigação legal de dar instrução elementar aos filhos” (1983, p. 404). Assim, tanto a Inglaterra, como a França, a Alemanha e outros países europeus, no século XIX, fizeram reformas educativas nas quais se cruzam as ideias do pensamento liberal com a ação intervencionista do Estado e com o controle inicial do trabalho infantil. Acreditava-se que a instrução primária seria uma vacina contra o despotismo já vivido por muitos países tanto quanto uma forma de questionar a dominância do trabalho manual, entre os adultos, e a presença de crianças no regime fabril (p.252). O direito à educação, como direito declarado em lei, é recente e remonta ao final do século XIX e início do século XX. Mas seria pouco realista considerá-lo independente do jogo das forças sociais em conflito (p.253). Assim, seja por razões políticas, seja por razões ligadas ao indivíduo, a educação era vista como um canal de acesso aos bens sociais e à luta política e, como tal, um caminho também de emancipação do indivíduo diante da ignorância. Dado este leque de campos atingidos pela educação, ela foi considerada, segundo o ponto de vista dos diferentes grupos sociais – ora como síntese dos três direitos assinalados – os civis, os políticos e os sociais ora como fazendo parte de cada qual dos três. A magnitude da educação é assim reconhecida por envolver todas as dimensões do ser humano: o singulus, o civis e o socius. O singulus, por pertencer ao indivíduo como tal, o civis, por envolver a participação nos destinos de sua comunidade, e o socius, por significar a igualdade básica entre todos os homens. Essa conjunção dos três direitos na educação escolar será uma das características do século XX (p.254). A dialética entre o direito à igualdade e o direito à diferença na educação escolar como dever do Estado e direito do cidadão não é uma relação simples. De um lado, é preciso fazer a defesa da igualdade como princípio de cidadania, da modernidade e do republicanismo. A igualdade é o princípio tanto da não-discriminação quanto ela é o foco pelo qual homens lutaram para eliminar os privilégios de sangue, de etnia, de religião ou de crença (...). Mas isto não é fácil, já que a heterogeneidade é visível, é sensível e imediatamente perceptível, o que não ocorre com a igualdade. Logo, a relação entre a diferença e a heterogeneidade é mais direta e imediata do que a que se estabelece entre a igualdade e a diferença (...). A defesa das diferenças, hoje tornada atual, não subsiste se levada adiante em prejuízo ou sob a negação da igualdade (p.255). Por isso, os Estados democráticos de direito zelam em assinalar as discriminações que devem ser sempre proibidas: origem, raça, sexo, religião, cor, crença. Ao mesmo tempo, seria absurdo pensar um igualitarismo, uma igualdade absoluta, de modo a impor uniformemente as leis sobre todos os sujeitos e em todas as situações. Um tratamento diferenciado só se justifica perante uma situação objetiva e racional e cuja aplicação considere o contexto mais amplo. A diferença de tratamento deve estar relacionada com o objeto e com a finalidade da lei e ser suficientemente clara e lógica para a justificar (p.255-256). A realidade demonstra que o caminho europeu, no sentido das conquistas de direitos consagrados em lei, nem sempre foi o mesmo dos países que conheceram a (...) colonização. E, mesmo no meio dos países colonizados, ainda resta avaliar o impacto sociocultural da colonização quando acompanhada de escravatura. A conquista do direito à educação, nestes países, além de mais lenta, conviveu e convive ainda com imensas desigualdades sociais. Neles, à desigualdade se soma a herança de preconceitos e de discriminações étnicas e de gênero incompatíveis com os direitos civis. Em muitos destes países, a formalização de conquistas sociais em lei e em direito não chega a se efetivar por causa desses constrangimentos herdados do passado e ainda presentes nas sociedades (p.256-257). Ao contrário de muitos países europeus, [muitos dos] países colonizados não contaram, desde logo, com processos de industrialização e de constituição de uma forte classe operária. Assim sendo, para as classes dirigentes, a educação não se impôs como uma necessidade socialmente significativa para todos (...). A escravidão, o caráter agrário-exportador desses países e uma visão preconceituosa com relação ao “outro” determinaram uma estratificação social de caráter hierárquico (...). Na perspectiva dessas classes dirigentes, era suficiente para as classes populares serem destinatárias da cultura oral (...). Os países latino-americanos, por exemplo, sofreram a colonização ibérica e por ela conheceram o impacto da Contra-Reforma em face da sua população nativa ou escravizada. Para as elites, tais povos eram “selvagens”, “incivilizados” e “incultos” (...). A leitura e a interpretação de livros em geral ou dos livros sagrados eram reservadas aos bacharéis e aos teólogos, autorizados pela Igreja católica. Daí porque a transmissão oral ganha relevância sobre a transmissão baseada no acesso à leitura e à escrita a todos. Tal tradição se opõe à experiência europeia dos países que conheceram a Reforma. Neles, a tese luterana da sola fide et sola scriptura implicou não só o desenvolvimento da imprensa como também o incentivo a que todos os fiéis, mediante a instrução, pudessem ler os livros sacros e meditar sobre a palavra de Deus. Por isso, nestes países colonizados, será longa e árdua a luta pelo direito à educação em geral e pela educação primária em especial. Não serão fáceis a inscrição e a declaração deste direito nas leis destes países (p. 257). Declarar um direito é muito significativo. Equivale a colocá-lo dentro de uma hierarquia que o reconhece solenemente como um ponto prioritário das políticas sociais. Mais significativo ainda se torna esse direito quando ele é declarado e garantido como tal pelo poder interventor do Estado, no sentido de assegurá-lo e implementá-lo. A declaração e a garantia de um direito tornam-se imprescindíveis no caso de países, como o Brasil, com forte tradição elitista e que tradicionalmente reservam apenas às camadas privilegiadas o acesso a este bem social. Por isso, declarar e assegurar é mais do que uma proclamação solene. Declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram, que eles continuam a ser portadores de um direito importante. Disso resulta a necessária cobrança deste direito quando ele não é respeitado. O Brasil, por exemplo, reconhece o ensino fundamental como um direito desde 1934 e o reconhece como direito público subjetivo desde 1988. Em 1967, o ensino fundamental (primário) passa de quatro para oito anos obrigatórios. Ele é obrigatório, gratuito e quem não tiver tido acesso a esta etapa da escolaridade pode recorrer à justiça e exigir sua vaga. Neste sentido, o direito público subjetivo está amparado tanto pelo princípio que ele o é, assim por seu caráter de base e por sua orientação finalística, quanto por uma sanção explícita quando de sua negação para o indivíduo-cidadão. Para esses oito anos obrigatórios não há discriminação de idade. Qualquer jovem, adulto ou idoso tem este direito e pode exigi-lo a qualquer momento perante as autoridades competentes (p.259). [Para Bobbio:] É com o nascimento do Estado de Direito que ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos. No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No Estado de Direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos (Bobbio, 1992, p.61) (p.259). Segundo Bobbio (1992), a gênese histórica de um direito começa como uma exigência social que vai se afirmando até se converter em direito positivo. Esta conversão ainda não significa a universalização do mesmo. O momento da universalização indica que aquela exigência, já posta como direito, se torna generalizada para todos os cidadãos ou amplia os níveis de atendimento. Finalmente há a especificação de direitos. No primeiro caso, temos, por exemplo, o direito à escola primária para os homens livres. Outras categorias passam a exigir este direito e, após muito esforço e luta, pode acontecer tanto a ampliação da escola primária para todas as pessoas de qualquer gênero, idade ou condição social quanto a exigência da inclusão de um nível superior da educação escolar para todos. É o caso da luta pela universalização da escola média (p.260). A educação como direito e sua efetivação em práticas sociais se convertem em instrumento de redução das desigualdades e das discriminações e possibilitam uma aproximação pacífica entre os povos de todo o mundo. A disseminação e a universalização da educação escolar de qualidade como um direito da cidadania são o pressuposto civil de uma cidadania universal e parte daquilo que um dia Kant considerou como uma das condições “da paz perpétua”: o caráter verdadeiramente republicano dos Estados que garantem este direito de liberdade e de igualdade para todos, entre outros. Ao mesmo tempo, a relação que se estabelece entre professor e aluno é de tal natureza que os conteúdos e os valores, ao serem apropriados, não se privatizam. Quanto mais processos se dão, mais se multiplicam, mais se expandem e se socializam. A educação, com isto, sinaliza a possibilidade de uma sociedade mais igual e humana (p.260-261).

2.

Yrama Siqueira Fernandes; Vera Maria Ferrão Candau. Direito à qualidade da educação e educação em direitos humanos: inter-relações e desafio. Educação (Porto Alegre), v. 40, n. 1, p. 2-9, jan.-abr. 2017

Introdução

O direito humano à educação é um dos principais direitos sociais. Por outro lado, convém ter presente que o conceito de direitos humanos não é consensual, vai variar de acordo com a orientação tomada quanto aos fenômenos jurídicos. Bobbio (2004, p. 16) afirma que é uma ilusão atribuir um fundamento absoluto para os direitos humanos, já que são construídos historicamente e, portanto, relativos (...). Um dos objetivos primordiais para o surgimento de direitos é a regulação da vida em comum dentro das necessidades das sociedades em contextos históricos específicos. O direito à educação também advém de processo histórico e por esse motivo faz-se necessário abordar quais temas lhe estão associados na atualidade. A luta por sua efetivação colocou primeiramente o foco na universalização da escolarização. Na medida em que esse objetivo foi sendo alcançado, mesmo sem ter sido até hoje plenamente logrado, a questão da qualidade foi adquirindo cada vez maior centralidade. O direito à educação de qualidade tem se apresentado na atualidade como um desafio para a sua real democratização (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005; CAMPOS e HADDAD, 2006). Da mesma forma, muito se tem discutido sobre qual qualidade seria essa, sendo esse um tema de disputas dentro do campo educacional (p.3).

Direito humano à educação e educar em direitos humanos: uma aproximação

Desde a Revolução Francesa (1789) que o direito à instrução era concebido como condição da cidadania (...). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a educação como um direito humano universal aparece no mesmo patamar do direito à vida, à segurança, à paz, à saúde e ao bem-estar, assim como os direitos humanos são concebidos com princípio e conteúdo do direito à educação (p.3). Não há a palavra cidadão, que supõe um exercício, mas sim a palavra pessoa concebida como sujeito de dignidade e direitos, sem nenhuma restrição a um dado Estado, e, portanto, universalizando o referido direito (...). Não basta que todos e todas tenham acesso à educação. É necessário também que a educação fornecida propicie expandir a humanidade de cada pessoa e ainda reforce o reconhecimento dos direitos e do seu exercício, daí porque a educação atua na perspectiva para, sobre ou em direitos humanos (p.4). A educação para alcançar a perspectiva da cidadania social deve, assim, ter como um de seus objetivos a formação de cidadãos ativos, que possam participar das decisões e do governo da sociedade, exigindo, realizando e criando direitos (p.4). [Para Saviani,] a educação, para além de se constituir em determinado tipo de direito, o direito social, configura-se como condição necessária, ainda que não suficiente para o exercício de todos os direitos, sejam eles civis, políticos, sociais, econômicos ou de qualquer outra natureza (SAVIANI, 2013, p. 745) (p.4). Tomasevsky (2006, p. 75), então relatora da ONU para o direito à educação, afirma: “O modelo de educação foi construído com base nas características daqueles que primeiro foram autodeclarados portadores do direito à educação, favorecendo o homem sobre a mulher, o colonizador sobre o colonizado” (TOMASEVSKY, 2006, p. 75) (p.4).

Educa em direitos humanos e qualidade da educação: articulações

[Para Candau], no que diz respeito à inter-relação entre direito à educação e educação em direitos humanos, num primeiro momento, as reflexões sobre estes campos se deram de modo independente. No entanto, foram se aproximando progressivamente e foi sendo assumida a perspectiva que considera a educação em direitos humanos como um componente do direito à educação e elemento fundamental da qualidade da educação que desejamos promover. Sendo assim, estas duas preocupações se entrelaçam na busca da construção de uma educação comprometida com a formação de sujeitos de direito e a afirmação da democracia, da justiça e do reconhecimento da diversidade na sociedade brasileira (CANDAU, 2012, p. 724) (p.5).

Direito à educação de qualidade e educar em direitos humanos: o que pensam professoras do ensino fundamental

Os valores, como uma das dimensões éticas da educação em direitos humanos, encontram-se atrelados à concepção de qualidade educacional (p.7). Para a educação de qualidade, as professoras [entrevistadas nesta pesquisa] trouxeram que é necessário que esta esteja proporcionando respeito às diferenças étnico-raciais e culturais, que esteja presente nela a formação para o exercício de direitos e, por fim, que seja emancipatória, pois assim estará formando cidadãos para uma atuação no mundo (...). O tema da qualidade educacional é ainda o grande desafio no tocante à real democratização da educação (OLIVEIRA e ARAÚJO, 2005; CAMPOS e HADDAD, 2006) (...). Algumas características de educação em direitos humanos devem ser contempladas, tais como a valorização das diferenças, a formação humanizadora, a formação para valores e para uma cidadania participativa (p.8).

3.

Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Logo após, a Assembleia Geral solicitou a todos os Países - Membros que publicassem o texto da Declaração “para que ele fosse divulgado, mostrado, lido e explicado, principalmente nas escolas e em outras instituições educacionais, sem distinção nenhuma baseada na situação política ou econômica dos Países ou Estados”.


Brasil. Conceito de Educação em Direitos Humanos. Caderno de Educação em Direitos Humanos. Educação em Direitos Humanos: Diretrizes Nacionais. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República – SDH/PR. Brasília, 2013.

Toda ação educativa com enfoque nos direitos humanos deve conscientizar acerca da realidade, identificar as causas dos problemas, procurar modificar atitudes e valores, e trabalhar para mudar as situações de conflito e de violações dos direitos humanos, trazendo como marca a solidariedade e o compromisso com a vida (...). A educação se revela como um elemento essencial para a formação do cidadão enquanto sujeito de direitos (...). A EDH deve ser orientada para o respeito às diferenças e ao compromisso com a transformação da realidade. Deve sensibilizar o indivíduo a participar de um processo ativo na resolução dos problemas em um contexto de realidades específicas e orientar a iniciativa, o sentido de responsabilidade e o empenho de edificar um amanhã melhor (p.35). O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos coloca a dignidade da pessoa humana em primeiro plano. Esse artigo afirma: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. [Para Poma (2002)], “uma significação fundamental nesta nova consciência do ser humano repousa na noção de dignidade. A dignidade da pessoa é aquela condição em virtude da qual cada ser humano pode exigir ser tratado como semelhante a todos os demais, seja qual for seu sexo, cor da pele, ideias, etc. A dignidade que tem cada ser humano é justamente o que nos serve para reconhecer a cada um como um ser único e irrepetível. Diferentemente das coisas, que podem ser substituídas, ou compradas, o ser humano não tem preço, tem dignidade (p. 22)” (p.36). Janine (2002) coloca que os valores democráticos e os valores republicanos devem ser incorporados ao cotidiano das pessoas em seu sentido mais íntimo (aquele que governa a vida privada) e não só na esfera pública. Esta é uma tarefa difícil de ser executada, mas que pode ter na EDH um espaço de construção de uma responsabilidade coletiva. Em alguns aspectos, encontrar situações em que não há o respeito a esses valores. A frase célebre “os fins justificam os meios” nos parece orientar a práxis que tem levado a “[...] uma cultura de desencantamento, somada a uma versão minimalista da democracia (uma democracia reduzida ao rito eleitoral e estranha à participação substantiva), ajuda a expropriar as pessoas da capacidade de decidir” (NOGUEIRA, 2001, p. 120) (p.38). A EDH concebe possibilidade de interação entre as diferentes áreas do conhecimento, podendo preparar as pessoas para compreender e intervir na realidade. Ela deve ser problematizadora, geradora de conhecimento e conteúdos de acordo com as pautas e demandas da sociedade (p.39). Rodino (2003) afirma que a EDH significa que todas as pessoas, independentemente do que são ou representam, tenham a possibilidade concreta de receber educação sistemática, ampla e de boa qualidade que lhes permita: compreender seus direitos humanos e suas respectivas responsabilidades; respeitar e proteger os direitos humanos de outras pessoas; entender a inter-relação entre direitos humanos, estado de direito e governo democrático, e exercitar, em sua interação diária de valores, atitudes e condutas consequentes com os direitos humanos e os princípios democráticos (p.40).

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