UNIVESP
– Curso de Pedagogia
Disciplina: Filosofia da Educação
Semana
2 - Antropologia filosófica e educação
Os objetivos desta semana são:
Entender a Educação como um
processo de formação humana;
Compreender as diferentes
concepções de homem e formação humana;
Refletir sobre: a educação seria um
processo de constituição dos homens ou nos homens? Ou, dito de outra forma: os
homens se formam ou são formados;
Compartilhar suas reflexões e
questionamentos com os colegas e com o tutor no Fórum de Discussão.
Videoaula 5
A Filosofia que
pensa a Educação - Parte 1
Prof.
Marcos Antônio Lorieri
O
que seria a filosofia que pensa a educação? Educação é o processo de formação
humana. Formação é dar forma. Conformação à forma já dada. Se a forma é
previamente dada, resta conformar-se. Assim, o processo educativo é colocar os
jovens em uma forma. Daí se excluir, na educação, aqueles que não se ajustam
(ou sejam, se conformam) à forma buscada. Outras correntes pensam em condição
humana que se constitui historicamente. No vídeo, abre-se a dicotomia: os
humanos formam-se ou os humanos são formados? Ou, sem dicotomia: os humanos
formam-se e são formados? Mark e Engels defendem que os indivíduos humanos se
fazem fisicamente e espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos, sozinhos,
individualmente. A formação é solidária e não solitária. Aprendemos a viver em
um tipo de sociedade. “As circunstâncias fazem os homens assim como os homens
fazem as circunstâncias”. No caso dos saberes, há a transmissão, por parte dos
mais velhos, e a modificação, por parte dos mais novos (das novas gerações). A
transmissão prescreve direções – inclusive para as modificações. Para Savater:
nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo. A
utilidade da filosofia (Marilena Chauí).
Videoaula 6
A Filosofia que
pensa a Educação - Parte 2
Prof.
Marcos Antônio Lorieri
O
que é educação a partir do pensamento filosófico? Por que muitos filósofos
pensam sobre a educação? Porque a educação é processo fundamental da existência
humana. Ser educador é uma escolha – e uma escolha séria. Hannah Arendt: deve-se proibir a paternidade/paternidade para quem
não quer ter responsabilidades pelo mundo. Porque nascem crianças, deve haver
educação. O educador diante do jovem é um representante do mundo. Não é imposta
aos educadores, mas está implícita. Preparar as crianças para assumirem o mundo
em nosso lugar. Kant: o homem é a
única criatura que precisa ser educada. Ele não se torna um homem senão pela
educação. É preciso dar uma forma ao ser humano. O homem tem necessidade
cuidados e formação (disciplina e instrução). Educar é colocar limites. Diferenças
entre professor e orientador (governante). Na escola, temos que ser ambos.
Bruto (sem cultura) e selvagem (sem educação/disciplina). Savater:
não basta nascer humano, temos que chegar a sê-lo. Marx e Engels: formação humana como construção coletiva e histórica.
Quando
refletimos, criamos “endereços” para nossas ações, que lhe dão significados.
Alguns filósofos podem ajudar os alunos de pedagogia no processo de reflexão
sobre a educação.
Videoaula 7
Antropologia
Filosófica e Educação - Parte 1
Prof.
Marcos Antônio Lorieri
Antropologia
Filosófica: o que é ser gente, o que é uma pessoa? Essência ou natureza
especial do ser humano. É diferente (em quê) dos outros seres vivos? Por que
dizemos que as pessoas são dignas de respeito? Linguagem (articulada),
pensamento, sociabilidade, trabalho transformador da natureza, produção de
cultura, busca pela transcendental, a educabilidade (pode ser educado).
Respostas a essas questões são racionalistas, cientificistas, essencialistas,
materialistas.
Racionalista:
o homem é um ser racional.
Cientificista:
o homem é um ser determinado pelas leis da natureza (física, química,
biologia). Mais complexa forma de vida.
Essencialista:
ser humano dotado de uma dada natureza, que se desenvolvem, mas não se
modificam (daí a educação).
Materialista:
tudo que existe é matéria ou dela decorrente. Mecanicista: tudo funciona como
uma grande máquina e nos cabe nos adaptar a essa realidade. Materialismo
histórico-dialético: processo de contínua construção e reconstrução. Para tudo
há uma história. O ser humano tem caraterísticas básicas.
Videoaula 8
Antropologia
Filosófica e Educação - Parte 2
Prof.
Marcos Antônio Lorieri
Consequências
das diversas visões de ser humano:
Racionalista.
O que distingue o ser humano é sua racionalidade. As atividades escolares se
reportam ao cognitivo. Conhecimento. Aprender. Educação intelectualista. Não é
errado, mas é insuficiente. Vem da Grécia e chega aos nossos dias.
A
educação tradicional desconsidera que todo ser humano é um corpo (biologia).
Tem afetividade. Gostos, preferências.
Cientificista:
ser humano é regido pelas leis da natureza. Assim, a educação limita-se ao
corpo, à saúde, à alimentação...
Essencialista:
limita-se que há um tipo de ser humano que deve ser desenvolvido e não há muito
o que fazer com essa essência além de ajudar seu desenvolvimento. Educar é
auxiliar nesse desenvolvimento. O complicador dessa visão é que ideias dessa
essência variam ao longo do tempo e das sociedades, de modo que as pessoas
serão ajustadas a essas ideias e, caso contrário, serão vistas como
desajustadas (e rejeitado). Exemplo: raça ariana no nazismo. Desta visão
originam-se muitos preconceitos e destes decorrem atrocidades contra a
humanidade.
Materialismo:
A visão mecanicista é próxima das visões naturalista e essencialistas. Trata de
adequar o ser humano. No histórico-dialético: os seres humanos não estão
prontos e acabados e tudo está em devir. Há uma luta contínua de contrários:
somos um misto de direções e antidireções. Dentro dessa luta de contrários está
o movimento dialético. Daí a importância cuidar da qualidade das relações
(relação de dominação de um sobre outro: formar-se-ão dominadores e dominados).
Relações com a natureza (meio ambiente): chamada de trabalho, pois transforma a
natureza. Os seres humanos não são dotados de uma natureza já dada: tornam-se
humanos dependendo das relações que estabelecem e nas quais estão envolvidos.
Assim, não cabe à educação desenvolver os seres humanos, cabe ajudar-lhes a
tomar ciência da natureza na qual estão envolvidos e propor-lhe novas relações
que os ajudem realizar-se, analisando-as criticamente.
Há
sempre uma visão antropológica nas propostas educacionais.
Material de apoio
Exercício
de conhecimentos prévios - Questões
Com
base nas aulas anteriores, pense e registre suas reflexões sobre a seguinte
questão: será que no processo de formação humana, pelo qual todos passamos:
Nós
nos formamos (a nós mesmos)?
Somos
formados (pelos outros)?
Nós
nos formamos e somos formados?
Procure
apresentar (e registrar) as “razões” para as respostas dadas. Este exercício
pode contribuir para que você participe das reflexões sobre os temas tratados
nas aulas desta semana da disciplina de Filosofia da Educação. Como na semana
anterior, recomendamos que você recupere esses registros para contrastá-los com
o seu entendimento sobre essas mesmas questões após o encerramento desta
unidade.
Exercícios de
Apoio 2
Apenas
para praticar. Não vale nota.
No
texto-base da Aula 7 – Antropologia e educação I – foi apresentado um
entendimento do que seja Antropologia Filosófica (reflexão crítica, rigorosa,
profunda e abrangente sobre o ser humano) e a relação que as concepções sobre o
ser humano (as antropologias) têm com a educação. Foram também apresentadas
algumas destas concepções de ser humano.
No
texto-base da Aula 8 – Antropologia e educação II – foram indicadas algumas
consequências de concepções sobre o ser humano para a educação. Ou seja, foi
afirmado que, dependendo da concepção sobre o ser humano (da Antropologia Filosófica)
faz-se educação de uma maneira ou de outra.
Releia
os dois textos, escolha uma das concepções de ser humano ali apresentadas e
diga, com suas palavras, que aspectos são valorizados em uma educação que se
oriente por essa concepção.
GABARITO
Nesta
questão, você poderá escolher qualquer uma das 5 concepções (racionalista,
cientificista, essencialista, materialista mecanicista ou materialista
histórico-dialética) para realizar o exercício. O objetivo é que se consiga
estabelecer uma relação correta entre o entendimento de ser humano presente na
concepção escolhida e suas consequências para a prática educativa. Assim:
Na
visão racionalista, a ênfase é dada aos aspectos cognitivos e racionais das
práticas escolares.
Na
visão cientificista, a ênfase é dada ao desenvolvimento e bom funcionamento do
aluno em seus aspectos bio-físicos-químicos.
Na
visão essencialista, a ênfase é dada ao desenvolvimento das características
essenciais ou aos talentos inatos dos alunos.
Na
visão mecanicista, a ênfase é dada aos processos de adaptação do aluno ao bom
funcionamento da sociedade e do mundo regido por regras fixas, imutáveis.
Na
visão materialista histórico-dialética, a educação cumpre o papel de
desenvolvimento da capacidade crítica do aluno.
Fichamento
dos textos
1.
Marcos
Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 5 - A Filosofia que pensa a Educação I
Uma
das tarefas da reflexão filosófica é a de refletir de maneira crítica, profunda,
metódica e contextualizada sobre o que sejam educação e educar. (...) O que
significa ter atitudes científicas em relação aos fatos da vida? É importante que
as pessoas tenham atitudes científicas? E os demais tipos de atitudes, como
ajudar os mais novos a tê-las? (...) Educação é o processo de formação humana. (p.2).
Severino (2006, p. 621) afirma que “na cultura ocidental, a educação foi sempre
vista como processo de formação humana”. (...) Formação tem a ver com formar,
com forma: formação como processo que dá forma ou que constitui algo. O que
seria “dar forma”? O que é forma? (...) No Dicionário de Filosofia de Ferrater
Mora (1993), é afirmado que um dos sentidos de forma é a ideia platônica de
essência para se referir à “figura latente e invisível” nos seres, “só captável
pela mente”, à qual Platão se refere com a palavra grega eidos. Haveria, segundo Platão, uma essência de cada ser. Na
verdade, para ele, esta essência ou forma é o próprio ser. As essências ou as
formas existem em uma realidade própria denominada mundo das essências. Os
seres do mundo material “recebem” algo destas essências e as realizam, de
alguma maneira, aqui neste mundo. (...) Para Aristóteles, a forma é a essência
de algo e distingue-se da matéria, mas, juntamente com ela, configura este
algo. Cada ser é constituído de matéria e de forma. Diferentemente de Platão,
para a Aristóteles, não há um mundo das formas ou das essências. As formas
estão, de alguma maneira, em cada ser. A forma constitui o ser juntamente com a
matéria da qual o ser é feito (p.3). Pensando de acordo com as ideias de Platão
e de outras correntes filosóficas, há posições que afirmam a forma como a
essência já dada aos seres, proveniente de algum poder externo a eles. Formas
dadas a priori cabendo aos seres
realizá-las na sua existência como “con-formações”
à forma já dada. Esta ideia de “conformação” gerou caminhos indicativos de
formação das pessoas. Se a forma é previamente dada, resta conformar-se ou a
ela ser conformado. Isso tem implicações para se pensar a educação. Contrariamente
a esta ideia, outras posições afirmam ser a forma humana resultante da
constituição ativa dos próprios seres humanos que ocorre no conjunto de
relações das quais eles participam (...). O processo educativo é, de fato, o
processo de constituição de seres humanos? Se a resposta é sim, há outras duas
questões. Primeira: seria um processo de constituição da humanidade dos humanos? Segunda: ou seria um
processo de constituição da humanidade nos
humanos? Se a resposta é sim à primeira questão, a humanidade dos humanos é construída
na própria prática humana do existir. Se for sim para a segunda, haveria “uma
humanidade” a ser realizada, ou desenvolvida, ou ainda, a ser “imposta” a cada
humano que nasce. Cada ser humano recebe uma “forma” pronta. O sim para a
primeira questão indica que os humanos formam-se. O sim para a segunda indica
que os humanos são formados (...). Neste texto defende-se a ideia de que nós nos formamos e somos também formados (p.4).
Os seres humanos são, ao mesmo tempo, autônomos e dependentes em relação ao
meio natural e cultural no qual existem (...). Os indivíduos fazem-se uns aos
outros, tanto física como espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos” (MARX
e ENGELS, 1979, p. 55). A formação se dá nas relações que os humanos
estabelecem, uns aos outros se fazendo, mas ninguém se fazendo sozinho,
solitariamente. A formação, nesta perspectiva, é solidária. As relações são
interações sociais que incluem as relações produtivas. E, também, a transmissão
“de uma soma de forças de produção” e de uma “relação historicamente criada com
a natureza e entre os indivíduos” que, “embora sendo em parte modificada, (...)
prescreve a esta, suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado
desenvolvimento, um caráter especial”. “... Mostra que, portanto, as
circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias”
(MARX e ENGELS, 1979, p. 56) (...). As interações sociais incluem “transmissão de
forças de produção” (maneiras de fazer) e “relações historicamente criadas”
entre as pessoas (...). Transmissão, por parte dos mais velhos e modificação por
parte das novas gerações. A transmissão prescreve, de certo modo, direções,
inclusive para as modificações. Esta maneira de ver o processo formativo ou
educativo indica direcionamentos e certo grau de autonomia relativamente às maneiras
de ser gente (p.5). Às gerações mais velhas competem os direcionamentos. Às
novas, cabe recebê-los e recriá-los, se for o caso, de acordo com as
necessidades históricas (...). A produção da formação humana está sempre em
processo no devir histórico. (...) Formação é um processo necessário no caso
dos seres humanos. Eles nascem incompletos e necessitam completarem-se neste
processo. É o que é denominado de educabilidade. (...) Para Savater (1998, p. 29): “nascemos
humanos, mas isso não basta: temos também que chegar sê-lo”. O caminho é o da
educação. Kant, por sua vez, afirma: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro
homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (1996, p. 15).
Severino, além de afirmar a necessidade e o fato de a educação ser inevitável, aponta,
como necessário para a formação humana, o desenvolvimento de certas
sensibilidades (...): sensibilidade à percepção dos conceitos, sensibilidade
aos valores morais, sensibilidade aos valores estéticos e sensibilidade aos
valores políticos, ou seja, às relações de convivência na sociedade. sensibilidade
à percepção dos conceitos, sensibilidade aos valores morais, sensibilidade aos
valores estéticos e sensibilidade aos valores políticos, ou seja, às relações
de convivência na sociedade. (...). Ser sensível aos valores morais é ser
sensível à necessidade de normas ou regras de conduta para que todos possam
viver bem em sociedade. Ao mesmo tempo é ser sensível à não imposição destas regras
por parte dos mais fortes e sim à construção destas regras com base em
entendimentos bem pensados; Ser sensível aos valores estéticos é ser sensível
ao fato de que as pessoas são afetadas por desejos, por gostos e estes são
importantes de serem satisfeitos de maneira a produzir satisfações e não destruição
destes próprios seres humanos; Ser sensível aos valores políticos é ser
sensível à necessidade de viver bem em sociedades justas sem dominação de
poderes não legítimos. É ser sensível à necessidade do exercício de autoridade
que sirva às necessidades de todos e não a interesses particularistas (p.6). Afirma-se,
aqui, a necessidade da filosofia nos processos de formação das pessoas. A
filosofia é uma necessidade porque é através dela que pessoas podem produzir
reflexiva, crítica, metódica, profunda e abrangentemente algum significado, ou
sentido, para sua existência e para a realidade de que fazem parte. E isso
inclui a necessidade de produzir sentido para ações, para a busca de
conhecimentos, para o esforço de dizer que algo é belo ou não, para o esforço
de dizer da vida-com-os-outros e da necessidade, ou não, da regulação dessa
vida em comum. Em cada momento histórico da humanidade, os sentidos são dados
de alguma maneira por diversos meios, como os mitos, as religiões, a própria filosofia,
as diversas crenças (p.7). Se for verdade que as referências de uma época são
“dadas” por uma filosofia que se tornou ideologia, é urgente sua compreensão e
o desenvolvimento da capacidade de examiná-la: reflexivamente, criticamente, metodicamente,
profundamente. Ou seja, à maneira filosófica (p.8). Filosofar é uma
necessidade. E, se necessidade, não é algo inútil. A fala da inutilidade da
filosofia é conveniente a certos interesses particularistas. Os donos destes
interesses pretendem que poucas pessoas (de preferência eles próprios)
“filosofem”. E que, apenas eles, divulguem os resultados de suas reflexões
“interessadas” que devem, por sua vez, ser inculcadas na grande massa em que se
juntam as pessoas (...). Daí a reserva de domínio do filosofar para os poucos que
sempre supõem a “incompetência” de todos os outros para o filosofar (...). Se toda forma de educação visa à formação
humana; Se a formação humana implica a capacidade de atribuir ou produzir significações;
Se a filosofia é a forma de conhecimento específica para esta produção; então,
é forçoso concluir pela necessidade da filosofia no processo educacional ou na
formação humana. Especialmente na formação de educadores. (p.9).
2.
Marcos
Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 6 - A Filosofia que pensa a Educação II
Escolhemos
ser pais e escolhemos ser professores. Nas duas situações, escolhemos ser
educadores e isso nos traz responsabilidades. Arendt refere-se a isso da
seguinte maneira: “Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva
pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em
sua educação” (1972, p. 239) (...). Kant, por exemplo, no livro “Sobre a
pedagogia” (1996, p. 11), diz: “o homem é a única criatura que precisa ser educada.
Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a
disciplina e a instrução com a formação” (p.2) “... o homem não pode tornar-se
um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz”
(idem, p. 15) (...). Savater, no livro “O valor de educar” diz que “nascemos humanos,
mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo” (1998, p. 29). Para isso,
é necessária a educação (...). Kant fala em “dar uma forma conveniente ao
humano” (1996, p. 17) (...). Para Kant, uma educação conveniente é aquela que
inclui o cuidado, a disciplina e a instrução com formação: “o homem tem
necessidade de cuidados e de formação. A formação compreende a disciplina e a
instrução” (1996, p. 14) (...). A formação é: 1. negativa, isto é, disciplina, a qual impede os defeitos; 2) positiva, isto é, instrução e direcionamento
e, sob este aspecto, pertence à cultura. O direcionamento é a condução na
prática daquilo que foi ensinado. Daqui nasce a diferença entre o professor, o
qual é simplesmente um mestre, e o orientador [governante], o qual é um guia. O
primeiro, ministra a educação da escola; o segundo, a da vida (KANT, 1996, p.
30-31). (...) Para este filósofo, a formação humana inclui a disciplina que é
negativa porque “impede ao homem de desviar-se do seu destino, de desviar-se de
sua humanidade” (idem, p. 12); e inclui a instrução ou a cultura – “pois que assim
pode ser chamada a instrução” (idem, p. 16). E ele continua: “Quem não tem
cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um
selvagem” (Idem, p. 16). Para ele, a cultura abrange a instrução e, talvez por
essa razão, ela envolve um trabalho professoral de informação, que ele denomina
também de escolástico (próprio da escola) e de direção, de governança [orientação]
ou de guia para a vida. A formação humana torna o homem humano (...). Marx e
Engels veem a formação humana como uma construção coletiva e histórica e que
ocorre a partir de elementos naturais dados. “O pressuposto de toda a história
humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato
a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto,
sua relação dada com o resto da natureza” (1979, p. 27) (...). Os seres humanos
produzem as condições materiais de suas existências que percorrem alguns
caminhos: o (p.3) primeiro momento do caminho, “primeiro ato histórico” [p. 39],
é o da produção dos meios que permitem a satisfação das necessidades de “comer,
beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais” [p. 39]. Algo que “deve
ser cumprido todos os dias e todas as horas” (Idem, p. 39) (...). Decorre daí,
ainda segundo Marx e Engels, o processo de produção coletiva da vida que
adquire as mais diversas formas historicamente. Os seres humanos vivem e
formam-se como humanos no trabalho, ou seja, nas relações de produção que
implicam em relações sociais (...). A fala sobre as novas gerações
(modificadoras das relações já instituídas pelas anteriores e, ao mesmo tempo,
receptoras de prescrições destas advindas) relaciona-se a ideias de Arendt
contidas no livro “Entre o passado e o futuro” (1972) (...). O fato de nascerem
crianças e de elas necessitarem da ajuda educacional dos adultos para se
tornarem humanas torna obrigatória e justifica a ação educativa (p.4). Daí deriva
a autoridade do educador – que a deve assumir em nome de três necessidades: as
das próprias crianças, a da preservação do mundo humano e a de se poder contar
com os jovens bem formados para que tragam novidades boas para as necessárias
modificações que o mundo humano requer (p.5).
A
seguir, algumas indicações para possíveis leituras. São livros que tratam de
ideias de alguns filósofos sobre a educação (p.6):
ARANHA,
Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da
Educação. Editora Moderna, 2006.
DOZOL,
Marilene de Souza. Rousseau. Educação: a
máscara e o rosto. Petrópolis: Vozes, 2006.
GALLO,
Sílvio. Deleuze e a educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2003.
HOURDAKIS,
Antoine. Aristóteles e a educação.
trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2001.
KOHAN,
Walter Omar. Sócrates e a educação. O
enigma da filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
LAGO,
Clênio. Llocke e a educação.
Chapecó, SC: Argos, 2002.
NOGUEIRA,
Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu
e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PAVIANI,
Jayme. Platão e a educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2008.
PINHEIRO,
Celso de Morais. Kant e a educação:
reflexões filosóficas. Caxias do Sul, RS: Educs, 2007.
PISSARA,
Maria Constança Peres. Rousseau: a
política como exercício pedagógico. São Paulo: Moderna, 2002.
SCOLNICOV,
Samuel. Platão e o problema educacional.
São Paulo: Loyola, 2006.
VEIGA-NETO,
Alfredo. Foucault e a educação. Belo
Horizonte: Autêntica, 2004.
3.
Marcos
Antônio Lorieri. Filosofia da Educação -
Aula 7 - Antropologia e Educação I
Antropologia
Filosófica e Educação
A
Antropologia Filosófica é a área da Filosofia que investiga o Ser Humano. A
palavra antropologia deriva de “anthropos”, do grego, que quer dizer ser humano,
englobando aí o ser humano masculino (andrós)
e o feminino (guiné). A Antropologia
Filosófica busca saber do ser do humano. Trata-se da busca por respostas a
diversas perguntas como: O que é o Ser Humano? Ele é um ser dotado de uma
essência ou natureza especial? Ele é um ser diferente dos demais seres da
natureza? Em que ele é diferente? Há algum sentido para a existência humana? Se
há, qual seria este sentido? O ser humano “se faz”, ou é um ser determinado
pela sua essência ou pela sua natureza? Como entender algumas características
do ser humano como: a linguagem; o pensamento articulado; a sociabilidade; o
trabalho transformador da natureza; a produção de cultura; a busca pelo
transcendental; a educabilidade; etc.? (p.3-4). Há diversas respostas para
estas questões produzidas pela reflexão filosófica ao longo da história do
pensamento humano. Algumas são denominadas de racionalistas, outras de
cientificistas, outras podem ser denominadas de essencialistas, outras de
materialistas (...). Toda proposta educacional tem como um de seus pressupostos
alguma concepção de ser humano; [portanto,] alguma Antropologia Filosófica. Para
a posição racionalista sobre o ser humano, o que mais distingue o homem dos
demais animais é o fato de que ele é um ser racional. Essa visão tem sua origem
na filosofia grega (Sócrates, Platão, Aristóteles), passa pela Escolástica
Medieval, pela Filosofia Moderna e chega até nossos dias. Para a posição
cientificista a respeito do ser humano, ele e todas as suas atividades são
determinadas pelas leis da Física, da Química, da Biologia. O ser humano é
visto como a mais complexa forma de vida e pode ser entendido pelas mesmas leis
que governam todos os outros seres da natureza. Ele é fundamentalmente um “ser
da natureza” (p.4). Significa afirmar que tudo pode ser entendido ou explicado
somente com os recursos das ciências. Outras formas de conhecimento não são
reconhecidas como capazes de produzir explicações e entendimentos confiáveis, inclusive
sobre o ser humano. Quem tem esta posição pensa a educação orientada apenas por
conhecimentos científicos (...). Para a denominada posição essencialista, o ser
humano possui uma essência já dada (ou uma natureza) que o define com suas
características básicas, as quais não se modificam no decorrer do tempo. Elas
são apenas desenvolvidas ao longo da existência. Dependendo do grau desse desenvolvimento,
cada ser humano é considerado mais perfeito. Uma grande dificuldade, própria
dessa posição, reside na definição das características essenciais do ser humano
(p.5).
Posições
materialistas sobre o ser humano
Ter
uma concepção materialista da realidade e do ser humano significa afirmar que
tudo o que existe é matéria ou decorrência dela. O ser humano é um corpo
material e, como tal, ele participa da realidade material obedecendo as suas
leis. [Destaque para] dois tipos de materialismo: Materialismo mecanicista:
afirma que toda a realidade material, inclusive o ser humano, está constituída
de tal forma que nela não há mudanças. Tudo funciona guiado por leis fixas e
perenes que nunca se modificam. Tudo funciona como um grande mecanismo. Materialismo
histórico social, materialismo dialético ou, ainda, materialismo histórico-dialético.
Afirma que a realidade e o ser humano são materiais, mas ambos em processo de
contínua construção e reconstrução. Tudo está em devir: tudo está tornando-se
uma outra realidade, ou uma outra maneira de ser. Isso significa afirmar que há
uma história: daí o nome de materialismo histórico. E, nesta história, tudo vai
ocorrendo. Tudo, inclusive a vida humana e, derivada dela, a formação dos seres
humanos. O ser humano é produzido (ou se produz?) nesta história, isto é, nas relações
que acontecem nela. E tudo o que ocorre, ocorre numa luta contínua de contrários
presentes nesta realidade e, por conseguinte, no ser humano que dela faz parte.
Daí o adjetivo dialético unido às duas outras palavras: materialismo histórico
e dialético (p.5-6).
4.
Marcos
Antônio Lorieri. Filosofia da Educação -
Aula 8 - Antropologia e Educação II
Consequências de
concepções filosóficas sobre o ser humano para a educação
Para
a visão racionalista sobre o ser humano, o que distingue o homem dos demais
animais é o fato de que ele é um ser racional. Quando se pensa assim sobre o
ser humano, como deve ser sua educação? Se a principal característica do ser
humano é a racionalidade (...), esta característica deve merecer uma atenção
especial na formação (educação) de crianças e jovens. E isso ocorre, pois, esta
concepção, que vem desde os gregos, esteve presente na época medieval, continua
na época moderna e está presente muito fortemente até nossos dias – e impacta
fortemente a educação escolar. As principais atividades educacionais que são oferecidas
nas escolas se reportam ao cognitivo, ao desenvolvimento intelectual, à aprendizagem
de conhecimentos. Tudo relacionado à racionalidade. Errado? Não! Mas,
insuficiente (p.20). Apesar de a ênfase ainda ser grande na racionalidade, outros
aspectos do humano têm sido objeto de preocupação dos educadores escolares.
Aspectos como os corporais (Educação Física e de componentes relativos aos cuidados
com a saúde), como os da afetividade, como os da vida social ou da
sociabilidade e como os estéticos – estes últimos levando à introdução da
Educação Artística nas escolas –, têm merecido, também, alguma atenção. Quando uma
concepção reduz o humano predominantemente a um de seus aspectos, diz-se que
esta concepção é reducionista; [assim], uma proposta educacional, nela baseada,
torna-se também reducionista; isto é, atende apenas a uma parte reduzida da
formação humana (p.2-3). A concepção cientificista sustenta que [o ser humano]
e suas atividades são determinadas pelas leis da Física, da Química, da
Biologia, ou seja, por características estudadas por estas ciências nos seres
da natureza, incluindo aí os seres humanos. Uma boa educação, segundo propostas
educacionais baseadas nesta concepção, é aquela que privilegia os aspectos
denominados “naturais” do humano – entendidos como aqueles que dizem respeito
ao bom “funcionamento” de seus aspectos bio-físico-químicos. Estas propostas
tomam como referência para as ações educativas apenas os conhecimentos
científicos e, muitas vezes, apenas os conhecimentos das denominadas ciências
da natureza. Não deixam de ser, também, posições educacionais reducionistas. Uma
educação pensada apenas a partir destas referências cientificistas é denominada
de educação naturalista. Não contam muito, aí, os aspectos emocionais,
estéticos e os do “espírito” – seja qual for a concepção que se tenha de
espírito. E, muitas vezes, nem mesmo os da sociabilidade. Menos ainda os
aspectos relacionados a uma educação para valores morais. Na concepção essencialista,
o ser humano possui uma essência já dada (ou uma natureza) que o define com
suas características básicas. Essas características devem ser desenvolvidas ao
longo da existência de cada pessoa – que deve receber ajuda educacional com
vistas a este desenvolvimento. Parte-se de uma ideia de essência humana ou de
um modelo de ser humano. Educar, nesta visão, é auxiliar no desenvolvimento das
características básicas presentes neste modelo idealizado de ser humano. Diz-se
“modelo idealizado” porque ele não toma por base a existência humana concreta,
tal como acontece historicamente, e, sim, toma por base uma ideia, uma imagem
pensada de ser humano a qual deve ser tomada como modelo a ser alcançado
através da educação. Uma pessoa será tanto melhor educada quanto mais se
aproximar deste modelo ou essência humana (p.3). Quanto melhor cada um
realizar, em si mesmo, a essência humana, ou a natureza humana, tanto melhor
ser humano ele será (p.3-4). Há um complicador nesta visão: épocas, sociedades,
grupos de pessoas, têm ideias diferentes de qual é a essência ou a natureza
humana. Além disso, a ideia dominante, em alguma época ou sociedade, a respeito
de como deve ser um ser humano acaba servindo como instrumento de dominação:
todos devem ser daquela forma, ou... “fôrma”. Quem não for assim, será visto
como um “diferente”, não normal, desajustado, a ser evitado, excluído ou
marginalizado. As diferenças, as originalidades, são banidas ou combatidas. Quando
se tem em vista uma única forma de ser gente (uma essência ou uma natureza) a
diversidade é negada. Daí são originados muitos preconceitos e, com base neles,
muitas atrocidades são cometidas. Inclusive nas escolas (p. 4). Ter uma
concepção materialista significa afirmar que tudo o que existe é matéria ou
decorrência dela. E isso vale, também, para o ser humano. 1. Materialismo
mecanicista: afirma que toda a realidade material, inclusive o ser humano, está
constituída de tal forma que nela não há mudanças. Tudo funciona de acordo com
leis fixas e perenes que nunca se modificam. Tudo funciona como um grande
mecanismo. Educar, neste caso, é adaptar os educandos a um mundo já dado. É adaptá-los
às leis naturais, ao funcionamento mecânico da natureza e da sociedade. Não se
educa para a transformação. Educa-se apenas para a conservação e, muitas vezes,
em nome desta visão, para a simples adaptação. 2. Materialismo
histórico-dialético: para este tipo de materialismo, a realidade e, nela, o ser
humano, estão em processo de contínua construção e reconstrução. Tudo está em
devir. Isso significa afirmar que há uma história que ocorre numa luta contínua
de contrários: daí a denominação materialismo-histórico-dialético. Este devir é
um movimento de intensas e múltiplas relações no interior das quais tudo
resulta (p. 4). No embate entre o já feito e as novas contribuições dos novos
atores, o mudo humano caminha no seu constituir-se histórico. Esta maneira de
pensar o ser humano indica que à educação não cabe ajudar os educandos a
desenvolverem uma essência ou uma natureza já dada e sim cabe-lhe tomar ciência
das relações nas quais eles estão envolvidos, propor-lhes análises críticas das
mesmas e, se for o caso, propor-lhes novas relações que os ajudem a realizar-se
(...). [Em conclusão:] há sempre uma visão ou perspectiva antropológica
presente nas propostas educacionais. Cabe ao educador, no mínimo, tomar ciência
dela, proceder à sua análise crítica e tomar decisão quanto a querer ou não
trabalhar na direção por ela apontada (p.5).
2 comentários:
Obrigado. Me ajudou oportunamente. Deus o abençoe.
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