quarta-feira, 22 de abril de 2020

Mamãe Geny


Mamãe Geny

à família Ribeiro

Eu sempre trouxe comigo aqueles saborosos almoços dos domingos da minha juventude. Lembrar-me deles significava uma agradável aventura da memória por seus olfativos labirintos, nos quais os aromas e as cores e as vozes se misturavam num maravilhoso tempero de mãe – juntamente com a tocante presença de um secador de cabelos, que tornavam aquela pequena cozinha na mais singular cozinha do planeta Terra. Agora, à mente, vem a certeza de não mais viver aqueles domingos divinais. A certeza de que as portas daquela elástica cozinha, na qual cabiam muitos filhos adotados semanalmente, se fecharam neste mundo. Agora, todos aqueles sabores se congelaram nas papilas da memória, eternizaram-se num adeus distante, posto a pandemia, e sutilmente doloroso. Agora, este mundo, já tão frio e áspero, ficou também sem açúcar e sem afeto.

Jorge de Lima

Itanhaém, 22 de abril de 2020.

Tia Hilda ausente


Tia Hilda ausente

Eu nunca quis fazer um poema para a morte da tia Hilda porque em nenhum poema feito no mundo e em nenhum poema que ainda se fará caberia a perda imensurável. É uma dor que a própria palavra dor não ousa representar. Então, o lugar do poema mais importante do meu mundo fica assim: sempre preenchido de um enorme vazio, para que a palavra saudade não seja evocada em vão, para que a palavra tristeza não seja desperdiçada, para que a gratidão – e somente a gratidão – seja a única força a mover cada segundo dessa eterna despedida.

Jorge de Lima. Itanhaém, 22 de abril de 2020.