quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Ainda as gavetas


Substância

a R.

Teu corpo nu não rima
com a luz da lua no inverno
mas desejo-te retido entre minhas mãos
nas noites mais frias.

Fazes parte do meu céu feito estrela e feito Deus.

Tua forma sublime não se sustenta
no mármore branco e grego.
Mas, em segredo,
és minha estátua preferida.

Fazes parte da história como o livro e o relógio.

Tua voz rouca não foge ao som do trovão mais forte.
E eu ouço-te atento
enquanto persigo teu rastro
-- enquanto procuro o meu silêncio.

Fazes parte do meu verbo feito sílaba e flexão.

Teu olhar marujo não se afoga no colo de ninfas mulheres.
Enquanto eu,
com braçadas precavidas,
navego-te em cabotagem.

Fazes parte do meu mar como a onda azul e o horizonte.

Teu sono viril não aceita afago frágil e maternal
mas meu toque retém-se distraído nas franjas dos teus sonhos.

Fazes parte do mistério da vida feito cruz e feito espírito.

Teus braços alados te lançam em vôos errantes
e eu te perco todas as manhãs no vácuo do Universo.

Fazes parte da minha fome feito água e feito pão.

Fazes parte de tudo
e em tudo há um pouco de ti:
no pó do deserto,
nas gotas da chuva,
nos meus receios,
no instante,
nas vírgulas dos textos,
na sombra das árvores,
nas cordas do violão,
na tarde de sol,
nos cartões postais do mundo inteiro,
nos beijos,
na despedida,
nas lembranças de Piabetá,
no intervalo,
no perdão.

No esquecimento ou no sorriso.

Teu corpo,
tua forma,
teu olhar,
teu sono,
teus braços:

fazes parte do tudo que se sustenta
dentro de cada pensamento meu,
dentro de cada vontade minha

-- perdida e reencontrada
todos os dias.


Jorge de Lima
São Paulo (reescrita), 09/06/2005.

Um comentário:

Maria Joana disse...

Você deveria mesmo escrever um livro! Te dou um prazo! Quero comprar um livro seu na próxima Bienal! Com direio a autógrafos e brinde!
Beijos saudosos, Ma.
ps.: me leva na bagagem para a Itália?