quinta-feira, 24 de maio de 2018

UNIVESP – Curso de Pedagogia - Disciplina: Sociologia da Educação I Semana 1 - A Sociologia da Educação na compreensão da educação escolar: conceitos e reflexões iniciais. Marx e a educação


UNIVESP – Curso de Pedagogia
Disciplina: Sociologia da Educação
Semana 1 - A Sociologia da Educação na compreensão da educação escolar: conceitos e reflexões iniciais. Marx e a educação

joralimaTEXTO




Os objetivos dessa semana são:
                                
1. Entender o que é Sociologia da Educação e as relações entre alguns fundamentos sociológicos e as especificidades da Educação.
2. Compreender a escola como instituição social e suas funções sociais.
3. Refletir sobre a relação entre a escola pública e as desigualdades sociais.
4. Compartilhar com seus colegas as possibilidades de entendimento dos conceitos estudados e a crítica que se faz hoje às políticas educacionais.

Videoaula 1

Sociologia e o campo de estudo da sociologia da educação

A ciência sociológica surgiu para explicar a vida social no capitalismo; se organiza e se divide em diversas disciplinas. Florestan Fernandes afirma que a sociologia pode ser usada para investigar qualquer fenômeno social. A Sociologia da Educação se ocupa de examinar os fenômenos educativos. Para Pierre Bourdieu, a SE estuda as relações entre produção cultural e reprodução social e tem por objeto estabelecer a participação do sistema de ensino na reprodução da estrutura das relações de força e das relações simbólicas entre as classes. Para ele, “o modo de reprodução contempla uma dominante escolar”.

A função da escola

A educação é uma exigência para suprir a incompletude do ser humano. A humanidade elegeu a escola para realizar essa tarefa. A escola cumpre sua função social ao produzir e reproduzir relações sociais. Para Marilia Torres Reis (UNESP), cada grupo social vê a escola a partir dos seus interesses sociais, culturais e políticos. A escola não é neutra, nem igualitária. Dentro dela, a educação reflete valores, ideologias e intenções dos diferentes grupos que disputam um lugar na hierarquia social.

Os fenômenos contemporâneos de socialização podem ser pensados para além da escola?

Por conta das mudanças sociais, demanda-se um olhar ampliando para as novas características de formação e desenvolvimento das novas gerações, de modo que a sociologia busca compreender: as famílias, os grupos de pares formados por afinidades, as diversidades de associações, as trocas de informações na esfera pública, os movimentos sociais e as mídias sociais. Para a Profa. Marilia Sposito, “ocorre o reconhecimento da perda do monopólio cultural da escola, e a cultura escolar – apesar de sua especificidade – tende a se transformar em uma cultura dentre outras”.

A escolarização da sociedade

O processo de escolarização é o mais importante processo social vigente no país. O sistema escolar está orientado constitucionalmente para atender a totalidade de crianças, jovens e adolescentes. É o processo formal, mais longo, intencional e consciente, sendo destinado a suprir os indivíduos com as ferramentas que permitem compreender a natureza, a cultura e a sociedade.

Como adequar o ensino às características das novas gerações?

Para Sposito, a escola atinge setores que não atingia antes. O sistema de ensino hoje precisa dar conta de atender um segmento de jovens cujos pais não tiveram o mesmo acesso à escola. Trata-se da primeira geração com a escolaridade mais prolongada.

A que forças sociais, internas ou externas, a escola se submete?

Forças externas: rendimento econômico das famílias, o contexto familiar (cultura, valores, modos de vida), a mídia, a comunidade, as religiosidades, as associações de classe.
Forças internas: as políticas públicas, a legislação educacional, os recursos de mantenedores (públicos ou privados), a estrutura e o regime escolares (regulamentos, disciplinas, educadores, funcionários).

A manifestação das forças sociais externas da escola

Marilia Sposito: “Se a vida escolar é amplamente determinada pelas relações sociais externas a ela, em seu interior não ocorre a mera transposição: há recriação, transformação ou produção de novas relações sociais”. Para Sposito, há três mecanismos de socialização e reconhecimento, próprios da cultura de rua, que intervêm na escola, modificando-a: 1. a própria cultura de rua; 2. os comportamentos difusos e latentes, que podem ser exacerbados e concretizados, em função das trocas sociais serem mais intensas no ambiente escolar (racismo, preconceito, patriarcalismo, machismo); 3. a escola segue sendo um território separado do mundo dos adultos para grande parcela de jovens e adolescentes.

Forças de relações sociais internas à escola

Políticas públicas educacionais. Políticas públicas são um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que traduzem a orientação política do estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público. As políticas públicas educacionais escolares são aquelas que traduzem as ações do Estado em relação a educação escolar. A política pública atinge a todos, seja pelo envolvimento do cidadão ou por sua exclusão.

Educação redentora

Émile Durkheim. Sustenta-se na ideia de que a educação resolverá os problemas da sociedade, não considerando que a escola está inserida nesta sociedade e, portanto, toma parte de seus problemas, sem necessariamente, conseguir tornar-se a solução.

Educação empresarial

Critérios tecnicistas aplicados à educação; envolvem planejamento sistemático, relação custo-benefício, otimização do sistema e da relação idade-série (priorizando a superação do “congestionamento” causado pelos alunos reprovados nas séries iniciais). Também tem ideia redentora que segue até hoje, naturalizada.

Educação empresarial

Evidencia a assimilação das teorias econômicas pelo setor educacional, com base nos apontamentos dos economistas da educação, que fazem com que a educação ganhe perfil de empresa e o aluno de produto final – que deve ser trabalhado nessa estrutura empresarial, de modo que seja cada vez mais um produto perfeito para o fim ao qual se destina; um vínculo evidente à ideia de capital humano.

Como efeito negativo da aplicação da educação empresarial (vigente): 1. não há mais reprovados, evitando congestionamentos no fluxo do sistema escolar; 2. inclusão excludente: estudantes que completam o ciclo educacional, mas sem apropriação dos conhecimentos que deveriam ser decorrentes do grau de escolarização oficialmente alcançado.

Como conclusão, tem-se que a saída do jovem, aos 15 anos, depois de ter permanecido na escola por quase uma década, na condição de iletrado ou de analfabeto funcional, é um problema social, educacional e escolar que precisa de atuação coletiva para ser superado.

Videoaula 2

Clássicos da Sociologia – Karl Marx

Misto de dramatização e documentário, o vídeo tece reflexões, a partir de cenas (e comentários sobre) do filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin, sobre Karl Marx e sobre o pensamento marxista. Conta com depoimentos dos pesquisadores Gabriel Cohn (USP) e Antonio Carlos Mazzeo (UNESP).
Para Cohn: Marx descreveu que o capitalismo criou, em sua dinâmica, uma nova configuração social; uma nova classe. No modelo idealizado por Marx, chegaria um momento que a sociedade se constituiria de uma associação livre de homens livres. Isso é o marxismo. O mais próximo disso, contudo, foi a experiência soviética de socialismo, que, do ponto de vista prático, não funcionou. Segundo Cohn, o marxismo não pensou a educação, mas tem sido aplicado pelos pensadores da educação, para interpretar a maneira como a educação funciona, reproduzindo as dinâmicas capitalistas. Para Mazzeo, Marx externou o conceito de mais-valia, demonstrando seu funcionamento dentro da expropriação da força de trabalho do proletário. Hoje, alguns de seus conceitos são patentes, como, por exemplo, a reificação do ser humano (exemplo: mulheres nas capas de revista à venda em bancas de jornal).

Vídeo de Apoio 1

Contribuição da Sociologia da Educação para a compreensão da educação escolar | UNIVESP TV

O vídeo faz a leitura e a sumarização do texto da professora Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis, “A Contribuição da Sociologia da Educação para a Compreensão da Educação Escolar”.

Fichamento dos textos

1.

Tozoni-Reis, Marília Freitas de Campos. A Contribuição da Sociologia da Educação para a Compreensão da Educação Escolar.

A escola como instituição social

“Pensar a escola na perspectiva da Sociologia da Educação implica, em primeiro lugar, que pensemos sobre a relação entre educação, escola e sociedade” (p.1). “Temos aqui a afirmação de que o processo educativo é um processo de formação humana, isto é, um processo em que todos seres humanos – que nascem inacabados, do ponto de vista de suas características humanas – são produzidos, construídos, como humanos. É um processo – histórico e social – de tornar humanos os seres humanos” (p.1). “Marx (1993), no mais importante de seus textos sobre a concepção de homem, os Manuscritos Econômicos e Filosóficos, desenvolveu uma concepção de homem como ser natural, universal, social e consciente” (p.2). “Merece destaque o processo de preparação para o trabalho ao qual eram submetidos os jovens aprendizes de ofícios nas sociedades pré-industriais – como os apresentados por Enguita (1989). A família [era a] principal instituição social responsável pelo processo de formação humana para convivência naquelas sociedades, em especial, como instituição responsável pela formação para o trabalho: além da família de origem, muitos jovens aprendizes eram encaminhados a outras famílias para a aprendizagem dos ofícios” (p.2). “Se, em períodos históricos anteriores, a família foi a principal responsável pelo processo de formação dos sujeitos para a integração na sociedade, a modernidade – com suas profundas transformações – buscou uma nova instituição que se responsabilizasse pela formação humana para este novo modo de organização da vida social: a escola” (p.2). “As profundas modificações nas formas de organização das sociedades, no final da Idade Média, culminaram com as revoluções do século XVIII, caracterizadas pela ascensão da classe social denominada burguesia e a implantação na Europa de um novo modo de produção – base da organização social – o capitalismo. Foi a partir da segunda metade do século XVIII, com a Revolução Industrial, que o capitalismo consolidou-se. Do ponto de vista econômico, tem início um processo intenso e contínuo de exploração do trabalho em grandes proporções, geração de lucro e acumulação de capital. Do ponto de vista político e social, a aristocracia perde o poder político para a burguesia urbano-industrial, surgindo ainda uma outra classe: os trabalhadores (ou operários). Isso tudo implicou em profundas modificações nas práticas sociais, em especial, no modo de produção” (p.3). “Somente na modernidade, a escola assume o papel de uma instituição educativa significativa na sociedade para a organização do processo educativo socialmente representativo. O historiador Áriès, no conhecido História Social da Criança e da Família, desenvolveu também a tese de que a escola é uma instituição da sociedade moderna, assim como a sua correlata: a infância, tal como a entendemos hoje. Na Idade Média, a infância se limitava ao período inicial da vida no qual a criança dependia do constante cuidado de adulto, mãe ou ama. A partir desse limite, ela ingressava no mundo dos adultos – não se distinguindo mais destes. A dilatação do período da infância foi correlata de uma transição da escola que durou do século XV ao século XVIII. A escola foi ‘um meio de isolar cada vez mais as crianças durante um período de formação tanto moral quanto intelectual, de adestrá-las, graças a uma disciplina mais autoritária, e, desse modo, separá-la da sociedade dos adultos’ (ARIÈS, 1981, p. 165)” (p.3). “A regularização do ciclo anual das promoções, o hábito de impor a todos os alunos a série completa de classes, em lugar de limitá-la a alguns apenas, e as necessidades de uma pedagogia nova, adaptada a classes menos numerosas e mais homogêneas, resultaram, no início do século XIX, na fixação de uma correspondência cada vez mais numerosa entre a idade e a classe (ARIÈS, 1981, p. 177)” (p.4). “Se, do ponto de vista sócio-histórico, a escola é uma instituição moderna, então, qual a função da escola no processo de formação humana nas sociedades atuais? Os estudos sobre o papel da escola, na sociedade moderna, apontam para o fato de que não existe uma função única, consensual, universal da escola. A escola não é uma instituição social neutra, uma instituição educativa a serviço de todos, igualmente. A forma como se realiza o processo de formação humana na sociedade moderna, portanto, a educação no interior da instituição social chamada escola, diz respeito aos valores, às ideologias e às intenções dos diferentes grupos sociais que disputam seu lugar na hierarquia social. Assim, os estudos da sociologia da educação apontam para a ideia de que a educação escolarizada nestas sociedades tem, em geral, algumas funções. Pode ter o objetivo ‘redentor’ de salvar a sociedade da situação em que se encontra, como pode ter como objetivo ‘reproduzir’ a sociedade na sua forma de organização, ou ainda, mediar a busca de entendimento da vida e da sociedade, contribuindo assim para ‘transformá-la’ (LUCKESI, 1990). Muitos estudos sobre a função da escola têm refletido sobre o antagonismo destas três funções: redentora, reprodutora e transformadora” (p.4). “A desigualdade social – e, consequentemente, a marginalidade – é concebida como uma distorção que, pela educação, pode ser superada. [Porém, a] desigualdade social não é uma das mais importantes características – definidora, fundante – da sociedade capitalista moderna? Não se trata aqui de concluir que essa tarefa – de superação das desigualdades – é impossível para a escola pela sua magnitude, mas de compreender que a instituição escolar é uma instituição que emerge desta sociedade, que está a serviço dos interesses contraditórios que definem a constituição da sociedade capitalista moderna como sociedade desigual. Por outro lado, a educação, em particular a escolarizada, como instituição social principal responsável pela formação dos sujeitos sociais na modernidade, tem assumido, segundo as análises sociológicas dedicadas ao seu estudo, a função de reproduzir a desigualdade social que caracteriza esta sociedade. Isso significa dizer que a educação, como instituição social organicamente ligada a esta sociedade, contribui, no que diz respeito à formação dos sujeitos sociais, para reproduzir a contradição de classes inerente à sociedade capitalista moderna. Esse tema foi particularmente estudado pela sociologia de Pierre Bordieu, Jean-Claude Passeron (França), Louis Althusser (França), Samuel Bowles, Herbert Gintis (USA), Christian Baudelot, Roger Establet (França)” (p.5). “A maior contribuição destes sociólogos da educação foi denunciar o papel legitimador da desigualdade social que assume a escola em nossa sociedade. Ou seja, é necessário compreender que a escola não tem apenas o papel de formação dos sujeitos sociais – uma formação descomprometida com as formas organizativas da sociedade –, mas um papel comprometido com a dinâmica social dominante. Dessa forma, a escola, em sua tarefa de formar os sujeitos sociais, não é neutra, mas exerce um papel político nesta formação, no sentido de seu comprometimento – do ponto de vista da reprodução ideológica – na formação dos sujeitos. Se essa sociologia denunciou o papel de legitimador das desigualdades sociais, trazemos também para análise a proposta transformadora da escola. Mais do que uma realidade existente – como a analisada e denunciada pela sociologia reprodutivista – a educação transformadora consiste em uma proposta que parte do desafio de construir uma escola que esteja, não a serviço dos grupos dominantes da sociedade, no que diz respeito à preservação dos privilégios, mas comprometida com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. O ponto de partida da educação transformadora, que tem caráter fortemente crítico, é a constatação de que a escola não transforma diretamente a sociedade, mas instrumentaliza os sujeitos que, na prática social, realizam o movimento de transformação. Isto é, a escola tem a especificidade de, do ponto de vista da formação humana, garantir a apropriação de elementos da cultura que se transformem, na prática social, em instrumentos de luta no enfrentamento da desigualdade social” (p.6). “Nesse sentido, é importante que o educador compreenda a complexidade da realidade social na qual ele atua. Não basta, para isso, conhecer a realidade, é preciso pensar sobre ela – tendo as diferentes teorias educacionais como referência” (p.7).

Escola pública e desigualdade social

“A escola pública é a maior expressão da escola como instituição social, aquela que tem sua origem na modernidade, exigência do modo de produção capitalista moderno industrial. No Brasil, podemos considerar, como marco histórico do surgimento da escola pública, o Manifesto dos Pioneiros Pela Educação Nova. Sua proposta estava plenamente integrada ao contexto social, político e econômico da consolidação do capitalismo industrial no Brasil, cujo papel da escola estava voltado para a formação dos sujeitos sociais para esse desenvolvimento. Isso explica porque o Manifesto trouxe a público, da forma mais veemente na história da educação brasileira, a defesa da escola para todos – um dos mais importantes princípios da educação burguesa. Saviani (2007) faz uma cuidadosa análise do Manifesto considerando-o heterogêneo e contraditório, pois expressa princípios elitistas e, ao mesmo tempo, princípios igualitaristas” (p.7). “Podemos encontrar no Manifesto a marca da dualidade: a escola teria função homogeneizadora dos indivíduos, nos níveis primários e secundários de ensino, e função diferenciadora no nível superior (universitário). Com o fim do Estado Novo, em 1945, as discussões em torno da Constituição de 1946 trouxeram de volta os Pioneiros da Educação e, com eles, as forças hegemônicas na comissão para elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 1961. A Lei no. 4024/61 – LDBEN – definiu a construção do Plano Nacional de Educação em 1962. O investimento financeiro na educação subiu para 12% dos recursos da União, a política educacional a esse investimento articulada pretendeu enfrentar o grave problema do analfabetismo, da evasão escolar e do afunilamento do sistema de ensino. A estrutura criada foi a do ensino primário, ensino médio (ginasial e colegial) e ensino superior. Propunha também a valorização da formação de professores, a implantação do tempo integral nas 5ª e 6ª séries (artes industriais). Essas medidas legais – que consolidaram o ensino público, tomaram ainda mais importância no início dos anos 1960” (p.8). “Marcado pela contradição entre ideologia e economia, o período anterior ao golpe militar organizava-se sob a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista e a desnacionalização da economia. Essa contradição, no conturbado governo Jango, foi ‘resolvida’ pelo governo militar, que marcou uma ruptura política com continuidade socioeconômica, fundamentando-se na doutrina da interdependência. O reflexo direto disso, na educação, se expressa pelas reformas implantadas, em busca da “educação que nos convém”: a aprovação da Lei 5540/69, da Reforma Universitária, e da Lei 5692/71, que organizou o ensino básico em 1º e 2º graus. O pano de fundo das reformas foi a teoria do capital humano, com seus princípios de racionalidade, eficiência e produtividade; isto é, o máximo de resultados com o mínimo de esforços na formação humana (investimento) que interessava ao regime político e ao modelo econômico. Essas reformas, portanto, inspiraram-se na pedagogia tecnicista, articulando a organização racional (taylorista) do sistema de ensino brasileiro com o controle de comportamento nos processos de aprendizagem (behaviorismo). Modelo econômico em desenvolvimento que exigia escolarização da população e, por outro lado, exigia o controle da escolarização, em especial no que diz respeito ao ingresso ao ensino superior, maior foco de resistência ao regime no interior da sociedade brasileira. O governo autoritário, então, equacionou essa aparente contradição pela expansão controlada, isto é, expandiu a rede pública de ensino, criando um mecanismo interno de controle. Segundo Romanelli (2009), esse controle recaiu sobre a progressão no sistema e a qualidade da educação. A dualidade, então, cujos reflexos vivemos ainda hoje, expressou-se pela oposição quantidade-qualidade, ou seja, enquanto se expandia o atendimento à educação escolarizada pública pelo estado autoritário (quantidade), privatizava-se, gradualmente, a qualidade” (p.9). “Essa situação se expressa de forma muito clara no processo de elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – que, iniciado em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, consolidou-se na promulgação da Lei no 9394/96. A nova LDB, instrumento político da organização da educação no Brasil, traz a marcado neoprodutivismo (SAVIANI, 2007), ou seja, a renovação neoliberal da teoria do capital humano. Essa abordagem fez com que a LDB aprovada (cuja organização popular sofreu um grande golpe no final de sua elaboração) se tornasse um instrumento para a política educacional marcada pela inclusão-excludente. Os avanços quantitativos necessários na inclusão da população em idade escolar na escola pública não foram equivalentes à qualidade necessária. Assim, pelo aprofundamento da crise de qualidade na escola pública, uma enorme parte da população é excluída do processo de apropriação da cultura como instrumento transformador na prática social” (p.10). “Os indicadores referentes à consolidação do ingresso da população na escola encobrem os índices de abandono e fracasso. Essa manipulação advém do objetivo de realizar uma avaliação essencialmente estatística. Com essa avaliação, posterga-se a urgente necessidade de alcançar níveis de aprendizagem e formação mais consistentes que garantam aos estudantes os instrumentos indispensáveis ao exercício de uma cidadania ativa. Ao burocratizar o exercício da profissão docente, a formação e a ação educativa dos professores pouco têm a contribuir para a melhoria da qualidade do ensino público. Essa burocratização provém do investimento em processos de formação e ação educativa com tendências a transformar os professores e educadores em profissionais acríticos e simples executores de tarefas pré-estabelecidas. Esses profissionais perdem sua capacidade crítica e criativa ao trabalharem em condições de crescente precariedade, desapropriados de direitos trabalhistas conquistados no difícil processo de democratização da sociedade brasileira” (p.11). “Se, no início da organização do sistema nacional de ensino no Brasil, o grande embate era entre a escola pública e a privada, no que diz respeito à responsabilidade da Igreja e do Estado, a análise do funcionamento do sistema nacional de ensino, hoje, está centrada na qualidade da escola pública e da privada e na responsabilidade da sociedade em sua garantia” (p.12). “De direito social de todos, a educação é compreendida pela ideologia dominante – impregnada pela doutrina econômica neoliberal e construída pela lógica do neoprodutivismo na educação – como um serviço a ser prestado e adquirido no mercado (LOMBARDI; SAVIANI; NASCIMENTO, 2005; SAVIANI, 2007). No que diz respeito à escola pública, os professores, de mediadores no processo de apropriação de conhecimentos sistematizados da cultura elaborada, assumem, na lógica hegemônica da organização da sociedade, o papel de prestadores de serviço. Nesse sentido, sua formação plena – para dirigir sofisticados processos de ensino e aprendizagem que garantam a apropriação crítica e reflexiva da cultura elaborada na perspectiva de formação para práticas sociais mais conscientes e consequentes – transforma-se em uma formação ligeira e superficial” (p.13).A escola pública é uma conquista que tem suas origens na Revolução Francesa, isto é, na democratização da sociedade aristocrática e na origem da modernização das sociedades como capitalistas e industriais. Esse é um fato histórico de enorme importância, pois confere à escola pública o caráter democratizante e democratizador. No entanto, sua origem histórica não a exime de problemas também historicamente incorporados, problemas a serem resolvidos e questões teóricas e práticas a serem exploradas. Uma das críticas que esta escola enfrenta concerne à atualidade de seus conteúdos” (p.14). “A escola, articulando o novo com a tradição, será efetivamente pública se for capaz de trazer para seu interior a responsabilidade de formação plena dos sujeitos, o que significa garantir a apropriação crítica do conjunto da produção humana” (p.15).

2.

Lopes, Paula Cristina. Educação, Sociologia da Educação e Teorias Sociológicas Clássicas: Marx, Durkheim e Weber.

“Educação, sistemas, políticas e processos educativos têm-se tornado questões centrais nas sociedades contemporâneas. A discussão implica uma reflexão sobre o próprio conceito de educação: na verdade, os debates contemporâneos neste âmbito podem já ser desvendados na tradição clássica. [No entanto,] nem todos os clássicos da sociologia deram particular relevo às questões relacionadas com educação. [Contudo,] há três nomes incontornáveis neste domínio: Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber. Marx e Weber não se [debruçaram] explicitamente sobre os sistemas educativos e apenas [abordaram] a questão de modo ocasional, integrando uma teoria geral (p.1)”.

A educação em Karl Marx

“A sociologia materialista-histórica-dialética de Karl Marx (1818-1883) é a sociologia da luta de classes, a sociologia das relações de poder no seio das sociedades capitalistas, do estruturalismo socioeconômico-político. A educação não é temática dominante na obra de Marx. Neste campo, tal como em muitos outros, o enquadramento faz-se em relação ao seu desenvolvimento no processo histórico das sociedades: a concepção marxista de educação tem também por base o materialismo histórico. No modelo marxista infraestrutural – superestrutural (dialético, de relação recíproca), a escola faz parte da superestrutura (tal como o Estado ou a família, por exemplo) e a educação é assumidamente um elemento de manutenção da hierarquia social, de controle das classes dominantes sobre as classes dominadas, isto é, de dominação da burguesia sobre o proletariado. As ideologias que estabelecem as regras são as das classes dominantes, dos ideólogos – produtos típicos das universidades burguesas (Morrow e Torres, 1997: 25)” (p.2). “As ideias passadas pela escola burguesa à classe operária, passadas ao proletariado por professores a serviço da ‘reprodução’ cultural-social (e, neste sentido, ‘o educador tem ele próprio de ser educado’), criam uma falsa consciência de classe. Para superar essa tensão, Marx apresenta várias propostas, dispersas por obras mais ou menos relevantes, ao longo dos anos. Em 1848, Marx propõe um modelo de educação igualitário, para todos os indivíduos, no propagandístico ‘Manifesto do Partido Comunista’. No segundo capítulo do texto, intitulado ‘Proletários e Comunistas’, Marx defende que uma das medidas inevitáveis como meios de revolucionamento de todo o mundo é a educação pública e gratuita de todas as crianças” (p.3). O trabalho é, em Marx, um princípio educativo. O homem total constitui-se a partir da articulação ensino-trabalho desde a infância, a partir de uma preparação politécnica para desenvolver o maior número possível de ocupações (Aron, 1991: 169). Na base deste processo de preparação do indivíduo, encontra-se a tríade ‘educação intelectual’, ‘educação física’, ‘educação profissional’” (p.4). “A ideia de que a necessidade capitalista de uma força de trabalho mais flexível obriga à introdução da escolaridade básica pública e à constituição das escolas técnicas é também desenvolvida no primeiro volume da obra ‘O Capital’, publicada em três tomos entre 1867 e 1894. (Morrow e Torres, 1997: 25). A formação/instrução do proletariado é a porta para o conhecimento, mas também a porta para a transformação da sociedade. Este é o caráter revolucionário da educação (Santos, 2005b); a evolução é sempre um produto revolucionário. A implementação da educação politécnica-industrial é outro dos paradigmas educativos em análise e discussão desde Karl Marx” (p.4).

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