sábado, 9 de junho de 2018

UNIVESP – Curso de Pedagogia - Disciplina: Sociologia da Educação - Semana 5 - Escola tradicional, controle disciplinar e atuação docente

UNIVESP – Curso de Pedagogia
Disciplina: Sociologia da Educação
Semana 5 - Escola tradicional, controle disciplinar e atuação docente


joralimaTEXTO


Os objetivos dessa semana são:
                                
1. Entender o que é chamado de controle disciplinar;
2. Compreender a escola tradicional e suas formas de controle sobre os indivíduos;
3. Refletir sobre a necessidade de mudança na construção de uma escola participativa e cidadã.


Videoaula - 1

A escola tradicional e a formação do Estado Nacional

Vídeo com montagens de fotos, imagens em movimento e animações, nas quais dois participantes, a partir de uma sala de centro cirúrgico, simulam tratar a escola tradicional sob a perspectiva de uma urgência médica. Paralisia da escola tradicional. Descreve a sala de aula, demonstrando que, na escola tradicional, a disposição de alunos, docentes e mobiliários continua sempre a mesma, de maneira a todas as atenções convergirem para a frente, onde está o professor, e de maneira a possibilitar ao docente o controle do que ocorre na sala. Esta disposição facilita a participação passiva do alunado. Michel Foucault (livro Vigiar e Punir): prisão, fábricas, escola, cavernas e hospitais se parecem. Com relação à disciplina, fala da caneta vermelha, que representa o uso, ainda vigente, da avaliação para punir e cita as punições físicas de outrora. Eduardo Montechi Valladares: fala de quando a igreja passou a sofrer concorrência dos estados nacionais na questão da educação. Apenas no século XIX se firma a laicização do ensino. A Revolução Francesa teve papel fundamental nesse processo de tornar o ensino laico. A Revolução Industrial gerou necessidade de preparação da sua mão de obra. Educação no Brasil. A república separou o estado da igreja. Porém, apesar do discurso e da modernidade dos edifícios, a escola seguiu semelhante à escola do império e, segundo o vídeo, algumas dessas características seguem até os dias atuais, razão pela qual, no filme, a escola tradicional entra em coma cerebral e, em seguida, morre por falência múltipla dos órgãos.


Videoaula - 2

Educação e Sociedade

Irene Arlita Pickler. O professor tem todas as culpas. Elizabeth Fortunato. Vulcão visto na TV era mais bonito do que aquele feito pela professora na lousa. Eunice Felix Rigorfi. Frankenstein pedagógico. Jorge Adilson Candido (diretor). Qual é o papel da escola. Museu da Língua Portuguesa. Prof. Pedro Tosi. Comenta texto de Antônio Nóvoa sobre a relação escola e sociedade. Depoimento de professores da Escola Caetano de Campos no centro da cidade de São Paulo. Sergio Nunes Ferreira. Fabio Alves Xavier. Visita e entrevistas às famílias de alunos. “Conto da escola” (Machado de Assis). Celso Favaretto: conhecer não é prazeroso. O ato de aprendizado é muito trabalhoso. Escola Municipal Tarsila do Amaral. Depoimentos de professores. Todo mundo passa pela escola, mas tira muito pouco. Pedro Tosi: a universalização do ensino não tem levado em conta as necessidades desses que utilizam a escola atualmente. O professor perde status dentro da sociedade. Crise de identidade do professor. Lista do leite. O diretor de escola lembra que questões da assistência social, da saúde, da segurança pública estão colocadas dentro da escola, que interferem no trabalho de ensino-aprendizagem. Autonomia docente. Celso Favaretto fala que não há a autonomia, tal qual citada por Descartes e Kant, portanto, ela merece ser repensada. A autonomia é limitada e nunca é conquistada completamente. Terezinha Azeredo Rios: heteronomia é levar em consideração o outro. Imposição do outro. Contraponto à autonomia. Antônio Nóvoa: a segurança profissional ajudará na autonomia docente. Terezinha Azeredo Rios: “para ensinar latim a João, é preciso conhecer latim e é preciso conhecer João”.

Vídeo de Apoio

O que são Privilégios? Jogo do Privilégio na UFF/INFES
Prof. Júlio César Medeiros

Texto em off sobre privilégios ao longo da história como introdução à aplicação do jogo aos alunos do narrador no Rio de Janeiro. Houve uma diferenciação em relação ao fato de que os participantes começaram o jogo de mãos dadas e não puderam manter as mãos unidas ao longo da atividade e mesmo ao término, o que ilustrou o efeito das desigualdades sociais.

Vídeo de Apoio

Desafios da educação: Antônio Novoa - UNIVESP

Como está a educação em Portugal hoje? Por definição, nunca se está satisfeito com a escola. E tem aspectos positivos: pois esta insatisfação diz que queremos uma escola sempre melhor. Objetivamente, a escola europeia tem mais qualidade hoje do que no passado, pois atende às necessidades atuais. A escola é a primeira instituição a globalizar-se. É muito parecida em todos os países. O que pode mudar é a duração do ensino obrigatório, pois tem mudado muito ao longo do tempo, sempre aumentando. Antes de a escola ser esta escola, havia a infância e a idade adulta. Hoje, a adolescência e a juventude têm definição muita precisa, fruto dessa interferência do tempo escolar na vida dos jovens. Os teóricos concordam hoje que a pré-escola é central para o melhor percurso do aluno na escola. Reside neste ponto, portanto, a distinção que existe, relacionada à escola, entre os vários países do mundo: qual foco desse tempo do aluno na pré-escola. Questões de aprendizagem e questões de vivência social/assistencial. A escola brasileira, segundo Nóvoa, está mais preocupada com as questões sociais, relegando a aprendizagem a segundo plano, o que é um erro, pois o século XXI vai demandar muito mais o conhecimento, a aprendizagem. Na Europa, a escola pública é de melhor qualidade do que a escola privada, que serve apenas para segregar os alunos (protegidos) do mundo amplo da escola pública. Na Europa, a universalização do ensino atingiu 100% ao longo do século XX, que retirou a criança da rua e do trabalho. Mas ainda não há garantia de aprendizado 100%. O papel do professor é fundamental na busca do aprendizado universal. Em Portugal, o professor tem bons salários e boa carreira, mas ainda não alcançou o prestígio social. Os salários entre docentes do ensino médio e universitário são semelhantes. Comparou um problema médico (um erro, um fracasso) e a reprovação de um aluno, demonstrando que no caso médico, há sempre uma enorme mobilização para entender e resolver o problema, mas o mesmo não ocorre quando um aluno é reprovado ou evade da escola. A formação docente na Europa é mais ou menos a mesma. Em Portugal, a formação equivale ao mestrado. No ensino médio, o professor deve ter o bacharelado base e o mestrado em educação. O jovem professor deve ser acompanhado nos primeiros três anos de atuação docente, à semelhança da residência médica. A universidade pública em Portugal não é gratuita, mas seu custo é fixado entre 1 e 2 salários mínimos por ano. Unificação do currículo. Processo de Bolonha.

Vídeo de apoio

Sociedade sem escolas - UNIVESP

Vídeo de animação. Apresenta a escola. O professor limita as trocas entre os alunos, ao ser o centro de atenções da aula. Para o pensador que inspirou o vídeo, Ivan Illich, o conhecimento não deve ser monopolizado por uma instituição. Exemplo dos gastos dos EUA em educação provam que elevados gastos não resolvem os problemas. O melhor é formar rede de aprendizagem. Alguns de seus controversos pontos podem ser vistos no dia de hoje, por conta da TV e da internet.


Fichamento dos textos

1.

Antônio Nóvoa. Relação Escola/Sociedade: Novas Respostas Para um Velho Problema.

Um quadro de Klee chamado Angelus Novus mostra um anjo olhando fixamente para qualquer coisa de que se está a afastar. Os seus olhos estão arregalados, a boca aberta, as asas estendidas. A sua face está virada para o passado. Onde nós vemos uma sequência de acontecimentos, ele percebe apenas uma única catástrofe que vai amontoando escombros sobre escombros e os arremessa para a frente dos seus pés. [...] Mas um vendaval está a soprar do paraíso; e com tal violência que o anjo já não consegue fechar as suas asas. Ele tem as costas voltadas para o futuro, mas o vendaval apanha-o de frente e é para lá que o empurra irresistivelmente, enquanto atrás dele o monte de escombros vai crescendo em direção ao céu. Este vendaval é o que nós chamamos progresso.
Walter Benjamin, 1940.

A história da escola sempre foi contada como a história do progresso. Por aqui passariam os mais importantes esforços civilizacionais, a resolução de quase todos os problemas sociais. De pouco valeram os avisos de Ortega y Gasset – e de tantos outros – dizendo que esta análise parte de um erro fundamental, o de supor que as nações são grandes porque a sua escola é boa: certamente que não há grandes nações sem boas escolas, mas o mesmo deve dizer-se da sua política, da sua economia, da sua justiça, da sua saúde e de mil coisas mais (p.1).

A escola e os professores como regeneradores da sociedade

No livro-manifesto da Educação Nova, Adolphe Ferrière conta uma das mais célebres histórias. da pedagogia: a história sobre O diabo e a escola. Conta o pedagogo suíço que um dia, deu o diabo uma saltada à terra e verificou não sem despeito, que ainda cá se encontravam homens que acreditassem no bem, homens bons e felizes. O diabo concluiu, do seu ponto de vista, que as coisas não iam bem, e que se tornava necessário modificar isto. E disse consigo: “A infância é o porvir da raça; comecemos, pois, pela infância”. Mas mudar a infância, como?! De repente, teve uma ideia luminosa: criar a escola. E, seguindo o conselho do diabo, criou-se a escola (p.2). Escrita no final da Primeira Grande Guerra, esta história é exemplar, por muitas razões. Até esta altura, a escola sempre tinha sido vista como um progresso civilizacional, como uma instituição inequivocamente benéfica, consagrada à promoção da cultura e da educação dos homens. Agora, pela pena de um dos mais brilhantes pedagogos dos anos vinte, ela é apresentada como uma instituição maléfica, como uma criação diabólica mesmo. Ao longo do século XIX, em paralelo com a emergência de novos modos de governo e afirmação dos Estados-Nação, a escola transforma-se num elemento central do processo de homogeneização cultural e de invenção de uma cidadania nacional. Através da atribuição a um dado arbitrário cultural de todas as aparências do natural, a escola desempenha um papel central na concessão ao Estado do monopólio da violência simbólica (que se quer legítima) (...). Fixa-se então uma espécie de gramática do ensino, que marca – uma vez que constrói e que organiza – a nossa forma de ver a escola: alunos agrupados em classe graduadas, com uma composição homogênea e um número de efetivos pouco agradável; professores atuando sempre a título individual, com perfil de generalistas (ensino primário) ou de especialistas (ensino secundário); espaços estruturados de ação escolar, induzindo uma pedagogia centrada essencialmente na sala de aula; horários escolares rigidamente estabelecidos, que põem em prática um controle social do tempo escolar; saberes organizados em disciplinas escolares, que são as referências estruturantes do ensino e do trabalho pedagógico. Inventado muito tempo antes, este modelo escolar impõe-se, doravante, como a via única de fazer escola, excluindo todos os outros possíveis. A força deste modelo mede-se pela sua capacidade de se definir, não como o melhor sistema, mas como o único aceitável ou mesmo imaginável (p.3). A crítica da Educação Nova à instituição escolar termina [paradoxalmente com] uma crença quase ilimitada nas potencialidades regeneradoras da escola. Nunca se acreditou tanto nos benefícios da escola como nestes tempos loucos da pedagogia. E esta crença ajudou a consolidar uma imagem dos professores como sacerdotes da religião educativa e como missionários do ABC, ao mesmo tempo que criou as condições para uma melhoria da sua formação e do seu estatuto socioprofissional e para o desenvolvimento de uma reflexão científica na área da pedagogia (p.4).

Profissionalização do professorado e ciências da educação

As racionalidades emergentes relocalizam os professores como profissionais – ao mesmo tempo que categorizam as crianças como alunos –, passando a encará-los como uma população que tem de ser gerida segundo padrões institucionais próprios. A imposição de um raciocínio populacional (tornado possível, em grande medida, pela evolução do pensamento e das técnicas estatísticas) é uma das características fundamentais dos Estados centrais, que teve consequências maiores na produção da escola de massas (...). [Para Houssaye (“L’esclave pédagogue et ses dialogues”. Éducation et Recherche, n.1/1984, p.47)], paradoxalmente, a Educação Nova representa a consagração e a morte da pedagogia: a consagração porque se assiste a uma verdadeira explosão das práticas inovadoras; a morte porque a referência à ciência provoca a passagem para as ciências da educação. Os inovadores (no terreno) acabarão por ser enterrados e renegados em nome das ciências da educação, da exclusão da prática (p.4). Em muitos países, a desmedida crença nas potencialidades da escola conduziu, por vezes, a exageros nefastos. Nos anos vinte, os “novos” profissionais do ensino tinham cada vez mais dificuldade em aceitar um destino de Penélope: tecendo durante algumas horas o fio educativo que a sociedade tantas vezes desfazia nas restantes horas do dia e da noite. Diziam eles que os ambientes familiares, sobretudo dos meios populares, deitavam por terra todos os seus esforços educativos (...). Num certo sentido, é esta perspectiva que será severamente criticada algumas décadas mais tarde, nos debates dos anos 1960. Pela segunda vez na história da educação, a escola é posta sob acusação. Mas, desta vez, a proposta vai mais longe: edificar uma sociedade sem escolas (...). A expansão do ensino não tinha conduzido à sua democratização; bem pelo contrário, a escola criara novas formas de discriminação e de exclusão social. Outrora apóstolos das luzes, os professores viam-se agora olhados e acusados como meros agentes de reprodução. Não espanta que, desde então, a profissão docente tenha mergulhado numa crise de identidade que dura até aos dias de hoje (p.5). A escola faz parte de uma rede institucional onde se joga parte do futuro das nossas sociedades: o que aqui conseguirmos ganhar é importante, mas as visões extremas de um professor-salvador-da-humanidade ou, no pólo oposto, de um professor-que-se-limita-a-reproduzir-o-que-já-existe não nos servem para tentarmos compreender o nosso papel. Os professores têm de afirmar a sua profissionalidade num universo complexo de poderes e de relações sociais, não abdicando de uma definição ética – e, num certo sentido, militante – da sua profissão mas não alimentando utopias excessivas, que se viram contra eles, obrigando-os a carregar aos ombros o peso de grande parte das injustiças sociais (p.6).

Os professores em crise: um mal-estar que se prolonga

Numa sistematização algo simplista, é possível constatar a existência de duas grandes tendências na forma de encarar a crise de identidade dos professores (...). A primeira tendência corresponde aos esforços de racionalização do ensino, levados a cabo desde os anos setenta, que têm como objetivo controlar a priori os fatores aleatórios e imprevisíveis do ato educativo, expurgando o quotidiano pedagógico de todas as práticas, de todos os tempos, que não contribuam para o trabalho escolar propriamente dito (...). Os professores são vistos como técnicos cuja tarefa consiste, essencialmente, na aplicação rigorosa de ideias e procedimentos elaborados por outros grupos sociais ou profissionais. A expansão dos especialistas pedagógicos (ou em ciências da educação) não é alheia a este projeto de racionalização do ensino, que põe obviamente em causa a autonomia profissional dos professores. Simultaneamente, é importante referir uma outra componente deste processo, que alguns autores têm designado por proletarização do professorado, relacionada com a intensificação do trabalho docente (inflação de tarefas diárias e sobrecarga permanente de atividades) e com a introdução de práticas administrativas de avaliação (p.6). Racionalização, proletarização e privatização do ensino são aspectos diferentes de uma mesma agenda política que tende a olhar para a educação segundo uma lógica economicista e a definir a profissão docente segundo critérios essencialmente técnicos (...). A segunda tendência acima evocada, interna à profissão docente, tem procurado vias distintas de saída da crise, baseados em projetos de afirmação da autonomia dos professores e das bases intelectuais do trabalho pedagógico. Nos últimos dez anos, a literatura pedagógica foi literalmente invadida por obras e estudos sobre a vida dos professores, o estresse e o mal-estar docente, as carreiras e os percursos profissionais, o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores, etc. Trata-se de uma literatura muito heterogênea, inspirada pelos mais diversos objetivos, mas que tem tido um mérito indiscutível: trazer de novo os professores para o centro dos debates educativos (p.7). Albert Shanker, um dos mais influentes líderes sindicais dos professores norte-americanos, sublinha num discurso pronunciado em 1974: “Dez mil novos professores entraram todos os anos no sistema escolar na cidade de New York, devido à morte ou à mudança de emprego dos seus colegas. Estes novos professores vêm um pouco de todo o lado, representam todo o tipo de religiões, de raças, de opiniões políticas e de formações profissionais. É espantoso que, após três semanas na sala de aula, já ninguém seja capaz de os distinguir dos professores que vieram substituir” (p.7). A forma como cada um de nós constrói a sua identidade profissional define modos distintos de ser professor, marcados pela definição de ideais educativos próprios, pela adoção de métodos e práticas que colam melhor com a nossa maneira de ser, pela escolha de estilos pessoais de reflexão sobre a ação. É por isso que, em vez de identidade, identitário, prefiro falar de processo – um processo único e complexo graças ao qual cada um de nós se apropria do sentido da sua história pessoal e profissional (p.8).

Por que é que fazemos o que fazemos na sala de aula?

Há aqui um efeito de rigidez que nos torna a todos, num certo sentido, indisponíveis para a mudança. E é verdade que os professores são por vezes profissionais muito rígidos, que têm dificuldade em abandonar certas práticas, nomeadamente quando elas foram empregues com sucesso em momentos difíceis da sua carreira profissional. Muitas vezes nos interrogamos sobre as reformas educativas e o modo como elas mudaram as escolas e os professores; e, no entanto, esquecemo-nos de referir que foram quase sempre os professores que mudaram as reformas, selecionando, alterando ou ignorando as instruções emanadas “de cima”. Mas, simultaneamente, os professores são desde sempre um grupo profissional muito sensível aos efeitos de moda. Hoje, mais do que nunca, as modas invadem o terreno educativo. Em grande parte, devido à impressionante circulação de ideias e à velocidade quase delirante das inovações tecnológicas. A adesão pela moda é a pior maneira de enfrentar os debates educativos, porque traduz uma “fuga para a frente”, uma opção preguiçosa, porque falar de moda dispensa-nos de tentar compreender (p.8). Em pedagogia, a moda significa quase sempre... a vontade de mudar para que tudo fique na mesma! Ora, neste mundo marcado pela velocidade das comunicações e da disseminação das ideias, neste mundo invadido por uma inflação tecnológica sem precedentes, é preciso que os professores aprendam a cultivar um ceticismo saudável, um ceticismo que não é feito de descrença ou de desencanto, mas antes de uma vigilância crítica em relação a tudo quanto lhes é sugerido ou proposto. A inovação só tem sentido se passar por dentro de cada um, se for objeto de um processo de reflexão e de apropriação pessoal (p.9).

Que saber mobilizamos na nossa ação pedagógica?

Durante muito tempo os professores limitaram-se a mobilizar um saber disciplinar, assumindo-se fundamentalmente como transmissores de um conhecimento científico em História, em Biologia ou em Matemática. Não espanta que então, pela boca de Bernard Shaw, se lhes tenha lançado o insulto, de que ainda hoje se fala: Quem sabe, faz; quem não sabe, ensina. É um insulto originado numa incompreensão fundamental: a ideia de que o ensino é a mera transposição do conhecimento do plano científico para o domínio escolar. Como se tal fosse possível sem submeter o conhecimento a uma alquimia complexa que transforma as disciplinas científicas (integradas nos seus espaços próprios) em currículo escolar. A tentativa para banalizar este processo não é inocente; bem pelo contrário ela é parte integrante de uma ideologia que tende a relacionar a entrada do professorado com o insucesso nas áreas disciplinares de base. Para o ensino iriam apenas os medíocres, os incompetentes, os falhados. Vários autores criticaram duramente esta ideia. Lee Shulman, por exemplo, demonstrou que o professor necessita não só de conhecer a matéria que ensina, mas também de compreender a forma como este conhecimento se constituiu historicamente. E sugeriu um novo aforismo: Quem sabe, faz; quem compreende, ensina. Punha assim a tônica na compreensão dos conteúdos, momento prévio da sua reformulação e da sua transformação em produtos de ensino: o teste definitivo para confirmar a compreensão de um assunto é a capacidade para o ensinar, transformando o conhecimento em ensino (p.9).

Escola e sociedade: investir positivamente todos os poderes

Uma nova relação entra a escola e a sociedade tem de basear-se, simultaneamente, num respeito pelo direito das famílias e das comunidades a participarem na ação educativa e num respeito pela autonomia e pelas competências profissionais dos professores. Ao longo da história, estes dois direitos – melhor dizendo, estes dois poderes – foram quase sempre considerados antagônicos (...). Não é possível qualquer mudança na arena educativa sem um investimento positivo destes dois poderes (...). Para que este investimento positivo tenha lugar é preciso assegurar, pelo menos, duas condições: a primeira é que não seja negado às famílias, sobretudo às famílias dos meios populares, o direito de decidirem e de participarem na educação dos seus filhos; a segunda é que os esforços de reforma educativa não tomem os professores como culpados da crise atual dos sistemas de ensino (p.10).

O poder das famílias e das comunidades

A ideia de que “todos os cidadãos mais pertencem à Pátria do que a seus próprios pais”, para utilizar uma ideia corrente no tempo da Revolução Francesa, foi muitas vezes mobilizada pelos corpos docentes para afastarem as famílias dos processos educativos. Sobretudo, para afastarem as famílias provenientes dos meios mais pobres e desfavorecidos (p.10-11). No decurso da história, a escola foi-se impondo como o meio privilegiado para educar as crianças, olhadas cada vez mais como futuro e não como presente. Monopólio é a palavra certa para descrever a forma como a igreja (séculos XVI a XVIII) e depois o Estado (séculos XVIII a XX) ocuparam o campo educativo, tornando ilegítima a intervenção dos outros atores sociais. Pouco a pouco, as famílias e as comunidades viram-se afastadas da coisa educativa; todas as razões serviram para justificar este afastamento: a ignorância dos pais, os maus costumes das famílias, a influência nefasta do meio social, etc. Os discursos foram assumidos, em primeira linha, pelos professores, que demarcaram a sua condição de especialistas contra os agentes educativos “naturais” (p.11). Hoje em dia, é impossível imaginar qualquer projeto de inovação e de mudança que não passe pelo investimento positivo dos poderes das famílias e das comunidades, por uma democratização do sucesso (e não apenas do acesso à escola), por uma participação efetiva de todos os atores sociais na vida das escolas (p.12).

O poder dos professores

Não é possível conceber a mudança com base numa espécie de culpabilização e de desvalorização dos professores, tal como aconteceu em muitas das reformas educativas dos anos oitenta. Os professores encontram-se, hoje, perante vários paradoxos. Por um lado, são olhados com desconfiança, acusados de serem profissionais medíocres e de terem uma formação deficiente; por outro lado, são bombardeados com uma retórica cada vez mais abundante que os considera elementos essenciais para a melhoria da qualidade do ensino e para o progresso social e cultural. Pede-se-lhes quase tudo. Dá-se-lhes quase nada (...). Por outro lado – e este é um novo paradoxo – a segunda metade do século XX assistiu ao desenvolvimento de uma atenção sem precedentes em relação às crianças. Mas, simultaneamente, as condições de vida social, sobretudo a expansão do trabalho feminino, levaram a que os pais tenham cada vez menos tempo para cuidarem dos seus filhos, projetando na escola desejos e ansiedades de todo o tipo (p.12). O debate deve ser travado frente a frente. E admitir todas as hipóteses. Começando por questionar o papel do Estado na gestão dos assuntos educativos e, obviamente, o estatuto tradicional dos professores. É possível que, após os ciclos da Igreja e do Estado, estejamos agora a assistir a uma nova reconfiguração do campo educativo. A agenda da privatização do ensino é um sintoma claro deste fenômeno, encarada pela perspectiva da eficácia e da competitividade econômica (...). Uma coisa é certa: o fim previsível do Estado educador obriga-nos a pensar em novos moldes as relações entre a escola e a sociedade (p.13). Na verdade, o que distingue a profissão docente de muitas outras profissões é que ela não se pode definir apenas por critérios técnicos ou por competências científicas. Ser professor implica a adesão a princípios e a valores, e a crença na possibilidade de todas as crianças terem sucesso na escola. A educação não pode, portanto, ser encarada unicamente segundo uma lógica econômica ou tecnológica, segundo uma perspectiva de eficácia ou de racionalização. Nos dias que ocorrem, o fim das grandes ideologias convida-nos a uma redescoberta da função social da utopia, das pequenas utopias que dão sentido ao nosso trabalho quotidiano como educadores (...). Durante muito tempo, a classe política produziu um pensamento prospectivo sobre o futuro das sociedades e sobre as melhores estratégias para o antecipar. Hoje em dia, os aparelhos de Estado estão demasiado ocupados na gestão das diversas crises nacionais e internacionais, e os partidos políticos deixaram de ser lugares de doutrina e transformaram-se em máquinas eleitorais orientadas para a participação no poder e nas instituições. Os políticos visionários são cada vez mais raros e a maior parte limita-se a gerir o curto prazo (p.14). Para os professores o desafio é enorme. Eles constituem não só um dos mais numerosos grupos profissionais, mas também um dos mais qualificados do ponto de vista acadêmico. Grande parte do potencial cultural (e mesmo técnico e científico) das sociedades contemporâneas está concentrada nas escolas. Não podemos continuar a desprezá-lo e a minorizar as capacidades dos professores. Para muitos, o heroísmo consiste apenas em sobreviver, em não se deixar arrastar pela descrença e pelo desânimo. Não se pode sonhar à força. E ninguém sonha unicamente para agradar aos outros. Mas quantos dentre nós nos mantemos aqui de corpo inteiro, de sentimento inteiro, com a consciência de que na profissão docente é impossível separar o eu profissional do eu pessoal, sem ilusões que os tempos presentes não estão para tal, mas na certeza de que ser professor é uma profissão que só assim vale a pena ser vivida (p.15).

2.

Anderson Ferrari; Wescley Dinali. Herança moderna disciplinar e controle dos corpos: quando a escola se parece com uma “gaiola”. Educação em Revista, Belo Horizonte, v.28, n.02, p.393-422, jun. 2012.

A etimologia da palavra “gaiola” remete a clausura e prisão (...). Tais falas e significados nos conduzem às produções de Foucault (1991), sobretudo no que se refere às aproximações entre instituições, disciplina, subjetividades, entre a escola moderna e a prisão. Dessas vinculações, nosso interesse é problematizar como a escola foi se constituindo como espaço que tem como uma de suas funções enclausurar os corpos para melhor controlá-los, sob uma perspectiva disciplinar (p.394). Podemos entender o que a escola classifica como “indisciplina” a partir do conceito de resistência e liberdade em Michel Foucault (...). A escola, dessa forma, pode ser pensada como uma máquina de controle e organização dos corpos, implicada tanto na fabricação do sujeito disciplinar quanto da própria Modernidade (p.395). Interessa-nos questionar as relações de poder na instituição escolar (...). Como essas relações de sujeição foram construídas historicamente e ainda são renovadas no interior dessa instituição? (p.395). Assumimos a inquietação do filósofo em transgredir os limites dessa realidade que nos constitui. Dessa forma, assim como nos estudos de Foucault, este artigo se insere numa preocupação maior com a busca de práticas de liberdade (p.396). Desde sua implantação, em 1992, o Ensino Médio do Colégio de Aplicação João XXIII [objeto de análise deste trabalho] vem se constituindo como um espaço de debates e discussões, espaço também onde vêm sendo experimentadas diferentes práticas pedagógicas. Assim sendo, parece interessante pensar as relações estabelecidas entre alunos, entre professores e alunos, entre escola e alunos, numa escola constituída, na sua origem, como local de experimentação. Como esse modelo dialoga com nossa herança moderna de escola? (p.400).

A construção da escola moderna disciplinar e o controle dos corpos

A escola, na sua configuração atual, se caracteriza como uma instituição com heranças modernas; ou que ela vem funcionando, desde o século XVIII, “como a mais importante instituição capaz de moldar disciplinarmente os indivíduos que ela toma para si” (VEIGA-NETO, 2008, p. 145). Como ressalta Deleuze (2006), uma das ideias centrais de Foucault, em Vigiar e Punir (1991), é que as sociedades modernas podem ser definidas como sociedades disciplinares. O nascimento das diferentes instituições disciplinares, como a escola, a fábrica, o hospital e a prisão, representaram um conjunto de transformações que dialoga com a invenção de uma nova mecânica de poder, bastante diferente das relações de soberania anteriores. A teoria do poder soberano estava mais ligada a uma forma de poder que se exercia sobre a terra e seus produtos, dizia respeito à extração e à apropriação pelo poder de bens e de riqueza. O modo como o poder era exercido podia ser transcrito pela relação soberano/súdito, ou seja, esse tipo de relação de poder estava fundamentado na existência física do soberano. Diferentemente dessas relações de soberania, essa nova mecânica do poder age muito mais ao nível dos corpos do que na terra, e isso a partir de processos de sujeição, de direção dos gestos e dos comportamentos. Ele extrai dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce por meio da vigilância, da hierarquia, das inspeções, das escrituras e dos relatórios. Torna os corpos úteis, aumentando suas forças pelos exercícios e treinamentos (p.401). Enfim, é o que podemos chamar de uma microfísica do poder (FOUCAULT, 1991; 1998) (p.401-402). Para Foucault (1991, p. 130), foi do poder disciplinar que nasceu o “homem do humanismo moderno”. “As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas” (FOUCAULT, 1991, p. 195) (...). Diante disso, podemos dizer que a disciplina é uma modalidade do poder, uma forma mesma do poder. Para tanto, ela se caracteriza por métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo e que realizam a sujeição de suas forças, impondo-lhes uma relação de docilidade/utilidade. A função da disciplina é se apropriar do corpo com a finalidade de aproveitar o máximo de suas potencialidades (FOUCAULT, 1991). No que se refere às sociedades disciplinares, a forma ideal para o exercício desse tipo de poder pode ser exemplificada pelo modelo arquitetônico do panóptico, definido, ou melhor, projetado, inicialmente, pelo jurista inglês Jeremy Bentham (FOUCAULT, 1998; 1991). Seu princípio arquitetural é conhecido por um edifício em forma de anel com uma torre central. O anel era dividido em pequenas celas com janelas, que davam tanto para o exterior, permitindo a entrada da luz, quanto para o interior, correspondendo às janelas da torre. Bastava então colocar um vigia na torre central e, em cada cela, trancar um louco, um doente, um condenado, um operário, um escolar. Esse tipo de construção assegurava a vigilância ao mesmo tempo global e individualizante, organizando o espaço para atingir objetivos econômicos e políticos. Como mostra Foucault (1991), o modelo panóptico funcionava como um laboratório de poder, ele era o diagrama do mecanismo disciplinar, em sua forma ideal, a utopia de um controle perfeito. Longe de ser compreendido apenas como um “edifício onírico”, ele representava, na realidade, uma “figura da tecnologia política” (FOUCAULT, 1991, p. 181). O panóptico funcionava como um zoológico real, onde o animal era substituído pelo homem (p.402). Ele apareceu como uma jaula cruel e sábia e, dele até nosso tempo, surgiram variadas projeções (FOUCAULT, 1991) (...). Isso ajuda a pensar como essa tecnologia do poder está presente, de alguma forma, na escola, os vários panópticos que podemos pensar no interior dessa instituição (...), que se parece com uma prisão, espaço de vigilância, de horários fixos, marcação do tempo, regras e mais regras, lugar de domesticação (...). Corredores, salas enfileiradas, carteiras em filas na frente do quadro negro, espaço destinado ao professor na frente dos alunos, permitindo ao mestre melhor visão dos corpos e do espaço, janelas altas das quais, quando sentados nas carteiras, os alunos têm pouca visão do exterior (...). “A minúcia dos regulamentos, o olhar esmiuçante das inspeções, o controle das mínimas parcelas da vida e do corpo darão em breve, no quadro da escola (...) um conteúdo laicizado, uma racionalidade econômica ou técnica a esse cálculo místico do ínfimo e do infinito” (FOUCAULT, 1991, p. 129) (p.403).

Escola – lugar para ensinar, “vigiar e punir”

Segundo Foucault (1991), em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes que lhe impõem limitações, proibições e obrigações. Porém, no século XVIII, as disciplinas se tornaram formas gerais de dominação (p.403-404). Os suportes do poder disciplinar são as instituições (BELTRÃO, 2000). A escola se configura, assim, como uma máquina do poder disciplinar, da mesma forma o hospital, o exército, a fábrica e a prisão (...). Para tanto, a primeira das grandes operações da disciplina é a organização dos indivíduos, a distribuição dos indivíduos num dado espaço. A “disciplina às vezes exige a cerca”, como diz Foucault (1991, p. 130), um espaço fechado para melhor controle dos indivíduos, para melhor domínio e utilidade das forças dos corpos (...). Cercar um espaço propicia também o melhor controle das circulações em outros locais, como o pátio, os corredores, a cantina e os banheiros. A intenção da cerca é concentrar as forças e neutralizar os inconvenientes, como possíveis fugas, dispersões, ou seja, tudo aquilo que possa escapar à disciplina (FOUCAULT, 1991). (p.404). Porém, o princípio da cerca não é o único nos aparelhos disciplinares. Se o claustro trabalha esse controle dos corpos fora e dentro do espaço escolar, o dispositivo do quadriculamento espacial organiza-os dentro desse espaço fechado. Ele permite estabelecer, para cada indivíduo, um lugar fixo, exato, uma função para diretores, professores, alunos, técnicos, coordenadores, estagiários, cantineiros, pais, entre outros (...). De acordo com Foucault (1991), o quadriculamento é um tipo de técnica disciplinar que permite estabelecer presenças, ausências, saber onde localizar os indivíduos, promover as comunicações úteis e interromper as perigosas (p.405). São procedimentos para “conhecer, dominar e utilizar” (FOUCAULT, 1991, p. 131), pois é necessário à disciplina anular os efeitos indesejáveis, “o desaparecimento descontrolado dos indivíduos, sua circulação difusa, sua coagulação inutilizável e perigosa; tática de antideserção, de antivadiagem, de antiaglomeração” (FOUCAULT, 1991, p.131). A disciplina exige também a fila. Como mostra Foucault (1991), ela é a “arte de dispor em fila (...) técnica para formação dos arranjos” (p.133). A fila define cada espaço que o indivíduo deve ocupar porque ela classifica, organiza e hierarquiza. É interessante colocar isso sob suspeita para verificar como essas questões estão naturalizadas e não despertam mais atenção, e estão na constituição mesma do modelo escolar (p.405). É relevante compreender que organizando a cerca, os lugares e as filas, a disciplina cria espaços ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. Uma das funções desses processos é procurar garantir a obediência dos indivíduos e a melhor economia do tempo e dos gestos (FOUCAULT, 1991) (...). Outra importante operação da disciplina é o controle da atividade. Nesse contexto, temos o horário útil, regular, produtivo. De acordo com Foucault (1991), o horário é uma velha herança monástica de que as disciplinas não tiveram dificuldade para se apropriar. Logo, esse tipo de controle se difundiu nos colégios, nas oficinas e nos hospitais. A escola disciplinar carrega marcas profundas desse rigor do tempo. É muito comum essa instituição dividir os períodos, as aulas, as tarefas, os intervalos, os momentos de lazer em séries temporais, para melhor uso e aproveitamento do tempo, para melhor ajustar o corpo a ele. Destrinchar o ano letivo em semestres ou trimestres (...) permite a constituição de um tempo útil para o processo escolar. Controlar o horário é uma forma de garantir ou buscar a qualidade do tempo empregado. Toda essa regulamentação temporal permite condicionar o processo produtivo das atividades escolares. Perder tempo é perder produção, daí, talvez, o sentido da pontualidade, da punição para quem resiste a esse controle. Todavia, o horário controlado não é o único nos aparelhos disciplinares. De acordo com Beltrão (2000), os currículos, os programas e os planos de ensino nada mais são que grandes elaborações temporais de atos coletivos. Esses programas prescrevem a duração (curso, semestre, mês, dia), a amplitude (seleção dos saberes) e possibilitam direções (planejamento dirigido), no que se refere ao processo escolar (p.407). Um bom emprego do tempo exige também exercício do corpo que procura acabar com o tempo e espaço para ociosidade ou a improdutividade dos indivíduos. Daí o investimento em medidas punitivas com relação às “indisciplinas” (...). A escola busca um aprendizado, uma formação que caiba numa duração, e não o contrário (BELTRÃO, 2000). Isso porque “quanto mais se decompõe o tempo, quanto mais se multiplicam suas subdivisões, quanto melhor o desarticulamos (...) mais então pode-se acelerar uma operação, ou pelo menos regulá-la segundo um rendimento ótimo” (FOUCAULT, 1991, p. 140) (p.408). O espaço escolar foi sendo organizado com esse cuidado em torno da visibilidade hierárquica. Defende Beltrão (2000) que a escola, antes de ser uma construção material, é uma máquina que sujeita os corpos. Antes de ser um espaço que abriga, é um espaço que fixa e ensina (p.409-410). Podemos tomar como exemplo também a chamada que os professores fazem cada vez que entram para a sala de aula ou em uma turma diferente. Ela funciona como forma de vigilância que estabelece presenças e ausências. Um aparelho de observação e registro que permite comparações, classificações, hierarquizações. Por esse processo de “policiamento” é possível tomar medidas corretivas ou punitivas em relação àqueles a quem ela se aplica. Mais do que isso, constrói sujeitos, os “faltosos”, por exemplo, determinados e produzidos por esse mecanismo de vigilância e controle (...). Esse olhar hierárquico disciplinar funciona em forma de escala, assim, é possível que todos, ao mesmo tempo, sejam fiscais e fiscalizados. Isso porque, como ressalta Pogrebinschi (2004), com o olhar hierárquico, o poder disciplinar se torna um sistema integrado. Não existe, assim, um centro, um chefe, no topo, pois o poder é relacional, funcionando como uma máquina que se organiza como uma pirâmide e opera como rede. Dessa forma, todos controlam e são controlados de alguma forma (p.410). Porém, se a escola opera por vigilância, ela também tem suas formas de castigo. É o que Foucault (1991) chama de sanção normalizadora. Dentro de todas as instituições disciplinares funciona um pequeno mecanismo penal, com suas leis próprias, seus delitos especificados, suas formas de sanção e suas instâncias de julgamento. A disciplina estabelece, dessa forma, uma “infrapenalidade” (FOUCAULT, 1991, p. 159). Uma maneira específica de punição que é colocada por uma lei ou um regulamento institucional que atinge as minúcias do dia a dia (p.411). Na escola, funcionam diferentes formas de “micropenalidades” (FOUCAULT, 199, p. 159) (...). No entanto, o castigo disciplinar é mais da ordem da correção, ele tem uma maneira específica de punir, segundo Foucault (1991). É mais da ordem do exercício, da repetição, da intensificação, da gratificação, da multiplicação de um aprendizado (p.412). Combinando os dispositivos de vigilância hierárquica e sanção normalizadora, existe o exame, que, ao mesmo tempo vigia, qualifica, classifica e pune. Justamente por isso ele é o mais ritualizado dos dispositivos disciplinares (FOUCAULT, 1991). No exame, superpõem-se as relações de poder e saber (...). “Relações de poder que permitem obter e constituir saber” (FOUCAULT, 1991, p. 165). O exame é um mecanismo que possibilita extrair conhecimento e verdade sobre os indivíduos (FOUCAULT, 2002). É o exame que qualifica o aluno que terá condições de passar de ano ou de ser reprovado  (p.412-413). Larrosa (2000, p. 61) destaca que o exame escolar é um dispositivo de visibilidade, de vigilância, que “inverte as relações de visibilidade habituais no espaço pedagógico”. Essa pedagogia escolar, com seus mecanismos de examinar, de tornar visível, captura, extrai, saberes dos escolares para tornar eficaz seu processo de ensino, para produzir sujeitos escolarizados. Os alunos são, dessa forma, objeto de visibilidade dessa máquina que ensina examinando. Note-se que, no exame, inverte-se a economia da visibilidade no exercício do poder, e essa visibilidade recai sobre o indivíduo, operando nele dada individualidade. Esse mesmo indivíduo é captado num mecanismo de objetivação que, segundo Beltrão (2000), pode ser examinado como objeto de estudo e pesquisa. Para isso, o exame faz também o indivíduo ingressar num campo documentário, ou seja, numa rede de anotações escritas, um registro individual que fixa os corpos com seus traços singulares, com suas particularidades que os diferenciam, e possibilita possíveis comparações (...). Por essas técnicas documentárias, o exame transforma o indivíduo num caso, que pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e em sua própria individualidade. Por essas questões, podemos supor que a palavra-chave na escola não é tanto a aprendizagem, mas o exame. Isso porque a escola ensina examinando, pois foi assim que essa instituição foi se constituindo, como nos convida a pensar Foucault (1991). Portanto, pode-se dizer que o exame é inerente ao processo escolar, no que se refere ao modelo disciplinar (p.413). [Todavia,] de acordo com o filósofo, temos de deixar de descrever os efeitos do poder apenas negativamente, já que ele também é produtivo. Produz realidade, campos de objetos e rituais de verdade. O que permite ao poder se manter e ser aceito é que ele “não pesa só como força que diz não, mas que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso” (FOUCAULT, 1998, p. 8). É relevante compreender que o poder é algo que é praticado no lugar de ser possuído. Como mostra o próprio Foucault (2009, p. 104), o poder não é “algo que se adquira, arrebate ou compartilhe, algo que se guarde ou deixe escapar, o poder se exerce a partir de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e imóveis”. Dessa forma, podemos pensar o poder como relação de forças. Força com forças, ação sobre ações. O poder é uma rede e nós somos produtos dessas relações. Nós mesmos renovamos o poder porque somos sua engrenagem. Somos: objetificados numa rede disciplinar, composta por microscópicas divisões espaciais e temporais; quase ao mesmo tempo, vamos nos enxergando como sujeitos nessa rede – uma rede que parece invisível para nós, motivo pelo qual pensamos que o disciplinamento é natural (VEIGA-NETO, 2007, p. 70). O que podemos dizer, a partir da pesquisa, é que se, de fato, as instituições disciplinares foram e ainda são fundamentais no processo de subjetivação dos indivíduos (p.414).

Considerações finais

Será que é possível potencializar a ação do ensinar, do aprender, além dessas meras relações de vigilância, de punição? Onde será que estão as possibilidades de escapar a esses dispositivos de controle dos corpos? A principal função da escola é mesmo vigiar e punir? (p.415). Se, de fato, a função da máquina escolar é controlar os corpos, essa certeza não é tão evidente (GALLO, 2005), pois sempre existe forma de resistir aos efeitos de sujeição do poder. Em detrimento disso, colocamos em jogo uma reflexão sobre as contracondutas dos alunos, pensar as resistências cotidianas deles como enfrentamento à subserviência, à normalização, à disciplinarização, ao controle, e menos como “indisciplinas” (p.416).

Atividade para Avaliação

(1,25) Leia com atenção as duas afirmações e responda à pergunta:
“A ausência de determinantes biológicos de atividade nos seres humanos significa, nos termos de Sartre, que o homem, (...) é de início o não-Ser que adquire o Ser” (Ratner, 1995, p. 14).
“O trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo particular a humanidade” (SAVIANI, 2005, 13).
É possível relacionar estas afirmações ao que a professora Tozoni Reis aponta como função do processo educativo?

(1,25) Qual a definição de sentimento de infância para Ariès (1981)? Qual a relação deste sentimento com o surgimento da uma nova função definidora da escola moderna?

(1,25) Conceitue “panóptico” e aponte pelo menos três elementos que caracterizam a escola estudada por Ferrari e Dinali como “panóptico”.

(1,25) Na teoria de Durkheim, qual a relação entre fato social e coerção?

(1,25) Tomando o trabalho de Ferrari e Dinali, que aborda fundamentos da teoria de Michel Foucault, explique o que é disciplina e se a vigilância é um mecanismo da disciplina?

(1,25) Ao abordar em seu artigo as práticas docentes em sala de aula, Antonio Nóvoa define e explica os “efeitos da moda”. Como Nóvoa explica a circulação rápida dos “efeitos da moda” e qual a crítica que faz?

(1,25) Por que, para François Dubet, a organização de salas de aulas homogêneas é um dos mecanismos sutis da exclusão escolar e de reforço das desigualdades escolares?

(1,25) Considerando que a função social da escola acompanha a complexidade social, adequando-se a ela, explique as características do momento em que vivemos, chamado de intrageracional, e aponte que tipo de formação o momento atual exige.


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