segunda-feira, 4 de junho de 2018

UNIVESP – Curso de Pedagogia - Disciplina: Filosofia da Educação - Semana 2 - Antropologia filosófica e educação - joralimaTEXTO

UNIVESP – Curso de Pedagogia
Disciplina: Filosofia da Educação
Semana 2 - Antropologia filosófica e educação

joralimaTEXTO



Os objetivos desta semana são:

Entender a Educação como um processo de formação humana;
Compreender as diferentes concepções de homem e formação humana;
Refletir sobre: a educação seria um processo de constituição dos homens ou nos homens? Ou, dito de outra forma: os homens se formam ou são formados;
Compartilhar suas reflexões e questionamentos com os colegas e com o tutor no Fórum de Discussão.

Videoaula 5

A Filosofia que pensa a Educação - Parte 1
Prof. Marcos Antônio Lorieri

O que seria a filosofia que pensa a educação? Educação é o processo de formação humana. Formação é dar forma. Conformação à forma já dada. Se a forma é previamente dada, resta conformar-se. Assim, o processo educativo é colocar os jovens em uma forma. Daí se excluir, na educação, aqueles que não se ajustam (ou sejam, se conformam) à forma buscada. Outras correntes pensam em condição humana que se constitui historicamente. No vídeo, abre-se a dicotomia: os humanos formam-se ou os humanos são formados? Ou, sem dicotomia: os humanos formam-se e são formados? Mark e Engels defendem que os indivíduos humanos se fazem fisicamente e espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos, sozinhos, individualmente. A formação é solidária e não solitária. Aprendemos a viver em um tipo de sociedade. “As circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias”. No caso dos saberes, há a transmissão, por parte dos mais velhos, e a modificação, por parte dos mais novos (das novas gerações). A transmissão prescreve direções – inclusive para as modificações. Para Savater: nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo. A utilidade da filosofia (Marilena Chauí).



Videoaula 6

A Filosofia que pensa a Educação - Parte 2
Prof. Marcos Antônio Lorieri

O que é educação a partir do pensamento filosófico? Por que muitos filósofos pensam sobre a educação? Porque a educação é processo fundamental da existência humana. Ser educador é uma escolha – e uma escolha séria. Hannah Arendt: deve-se proibir a paternidade/paternidade para quem não quer ter responsabilidades pelo mundo. Porque nascem crianças, deve haver educação. O educador diante do jovem é um representante do mundo. Não é imposta aos educadores, mas está implícita. Preparar as crianças para assumirem o mundo em nosso lugar. Kant: o homem é a única criatura que precisa ser educada. Ele não se torna um homem senão pela educação. É preciso dar uma forma ao ser humano. O homem tem necessidade cuidados e formação (disciplina e instrução). Educar é colocar limites. Diferenças entre professor e orientador (governante). Na escola, temos que ser ambos. Bruto (sem cultura) e selvagem (sem educação/disciplina).  Savater: não basta nascer humano, temos que chegar a sê-lo. Marx e Engels: formação humana como construção coletiva e histórica.
Quando refletimos, criamos “endereços” para nossas ações, que lhe dão significados. Alguns filósofos podem ajudar os alunos de pedagogia no processo de reflexão sobre a educação.

Videoaula 7

Antropologia Filosófica e Educação - Parte 1
Prof. Marcos Antônio Lorieri

Antropologia Filosófica: o que é ser gente, o que é uma pessoa? Essência ou natureza especial do ser humano. É diferente (em quê) dos outros seres vivos? Por que dizemos que as pessoas são dignas de respeito? Linguagem (articulada), pensamento, sociabilidade, trabalho transformador da natureza, produção de cultura, busca pela transcendental, a educabilidade (pode ser educado). Respostas a essas questões são racionalistas, cientificistas, essencialistas, materialistas.
Racionalista: o homem é um ser racional.
Cientificista: o homem é um ser determinado pelas leis da natureza (física, química, biologia). Mais complexa forma de vida.
Essencialista: ser humano dotado de uma dada natureza, que se desenvolvem, mas não se modificam (daí a educação).
Materialista: tudo que existe é matéria ou dela decorrente. Mecanicista: tudo funciona como uma grande máquina e nos cabe nos adaptar a essa realidade. Materialismo histórico-dialético: processo de contínua construção e reconstrução. Para tudo há uma história. O ser humano tem caraterísticas básicas.

Videoaula 8

Antropologia Filosófica e Educação - Parte 2
Prof. Marcos Antônio Lorieri

Consequências das diversas visões de ser humano:

Racionalista. O que distingue o ser humano é sua racionalidade. As atividades escolares se reportam ao cognitivo. Conhecimento. Aprender. Educação intelectualista. Não é errado, mas é insuficiente. Vem da Grécia e chega aos nossos dias.

A educação tradicional desconsidera que todo ser humano é um corpo (biologia). Tem afetividade. Gostos, preferências.

Cientificista: ser humano é regido pelas leis da natureza. Assim, a educação limita-se ao corpo, à saúde, à alimentação...

Essencialista: limita-se que há um tipo de ser humano que deve ser desenvolvido e não há muito o que fazer com essa essência além de ajudar seu desenvolvimento. Educar é auxiliar nesse desenvolvimento. O complicador dessa visão é que ideias dessa essência variam ao longo do tempo e das sociedades, de modo que as pessoas serão ajustadas a essas ideias e, caso contrário, serão vistas como desajustadas (e rejeitado). Exemplo: raça ariana no nazismo. Desta visão originam-se muitos preconceitos e destes decorrem atrocidades contra a humanidade.

Materialismo: A visão mecanicista é próxima das visões naturalista e essencialistas. Trata de adequar o ser humano. No histórico-dialético: os seres humanos não estão prontos e acabados e tudo está em devir. Há uma luta contínua de contrários: somos um misto de direções e antidireções. Dentro dessa luta de contrários está o movimento dialético. Daí a importância cuidar da qualidade das relações (relação de dominação de um sobre outro: formar-se-ão dominadores e dominados). Relações com a natureza (meio ambiente): chamada de trabalho, pois transforma a natureza. Os seres humanos não são dotados de uma natureza já dada: tornam-se humanos dependendo das relações que estabelecem e nas quais estão envolvidos. Assim, não cabe à educação desenvolver os seres humanos, cabe ajudar-lhes a tomar ciência da natureza na qual estão envolvidos e propor-lhe novas relações que os ajudem realizar-se, analisando-as criticamente.

Há sempre uma visão antropológica nas propostas educacionais.

Material de apoio

Exercício de conhecimentos prévios - Questões

Com base nas aulas anteriores, pense e registre suas reflexões sobre a seguinte questão: será que no processo de formação humana, pelo qual todos passamos:

Nós nos formamos (a nós mesmos)?
Somos formados (pelos outros)?
Nós nos formamos e somos formados?
Procure apresentar (e registrar) as “razões” para as respostas dadas. Este exercício pode contribuir para que você participe das reflexões sobre os temas tratados nas aulas desta semana da disciplina de Filosofia da Educação. Como na semana anterior, recomendamos que você recupere esses registros para contrastá-los com o seu entendimento sobre essas mesmas questões após o encerramento desta unidade.

Exercícios de Apoio 2

Apenas para praticar. Não vale nota.

No texto-base da Aula 7 – Antropologia e educação I – foi apresentado um entendimento do que seja Antropologia Filosófica (reflexão crítica, rigorosa, profunda e abrangente sobre o ser humano) e a relação que as concepções sobre o ser humano (as antropologias) têm com a educação. Foram também apresentadas algumas destas concepções de ser humano.

No texto-base da Aula 8 – Antropologia e educação II – foram indicadas algumas consequências de concepções sobre o ser humano para a educação. Ou seja, foi afirmado que, dependendo da concepção sobre o ser humano (da Antropologia Filosófica) faz-se educação de uma maneira ou de outra.

Releia os dois textos, escolha uma das concepções de ser humano ali apresentadas e diga, com suas palavras, que aspectos são valorizados em uma educação que se oriente por essa concepção.

GABARITO

Nesta questão, você poderá escolher qualquer uma das 5 concepções (racionalista, cientificista, essencialista, materialista mecanicista ou materialista histórico-dialética) para realizar o exercício. O objetivo é que se consiga estabelecer uma relação correta entre o entendimento de ser humano presente na concepção escolhida e suas consequências para a prática educativa. Assim:

Na visão racionalista, a ênfase é dada aos aspectos cognitivos e racionais das práticas escolares.
Na visão cientificista, a ênfase é dada ao desenvolvimento e bom funcionamento do aluno em seus aspectos bio-físicos-químicos.
Na visão essencialista, a ênfase é dada ao desenvolvimento das características essenciais ou aos talentos inatos dos alunos.
Na visão mecanicista, a ênfase é dada aos processos de adaptação do aluno ao bom funcionamento da sociedade e do mundo regido por regras fixas, imutáveis.
Na visão materialista histórico-dialética, a educação cumpre o papel de desenvolvimento da capacidade crítica do aluno.



Fichamento dos textos

1.

Marcos Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 5 - A Filosofia que pensa a Educação I

Uma das tarefas da reflexão filosófica é a de refletir de maneira crítica, profunda, metódica e contextualizada sobre o que sejam educação e educar. (...) O que significa ter atitudes científicas em relação aos fatos da vida? É importante que as pessoas tenham atitudes científicas? E os demais tipos de atitudes, como ajudar os mais novos a tê-las? (...) Educação é o processo de formação humana. (p.2). Severino (2006, p. 621) afirma que “na cultura ocidental, a educação foi sempre vista como processo de formação humana”. (...) Formação tem a ver com formar, com forma: formação como processo que dá forma ou que constitui algo. O que seria “dar forma”? O que é forma? (...) No Dicionário de Filosofia de Ferrater Mora (1993), é afirmado que um dos sentidos de forma é a ideia platônica de essência para se referir à “figura latente e invisível” nos seres, “só captável pela mente”, à qual Platão se refere com a palavra grega eidos. Haveria, segundo Platão, uma essência de cada ser. Na verdade, para ele, esta essência ou forma é o próprio ser. As essências ou as formas existem em uma realidade própria denominada mundo das essências. Os seres do mundo material “recebem” algo destas essências e as realizam, de alguma maneira, aqui neste mundo. (...) Para Aristóteles, a forma é a essência de algo e distingue-se da matéria, mas, juntamente com ela, configura este algo. Cada ser é constituído de matéria e de forma. Diferentemente de Platão, para a Aristóteles, não há um mundo das formas ou das essências. As formas estão, de alguma maneira, em cada ser. A forma constitui o ser juntamente com a matéria da qual o ser é feito (p.3). Pensando de acordo com as ideias de Platão e de outras correntes filosóficas, há posições que afirmam a forma como a essência já dada aos seres, proveniente de algum poder externo a eles. Formas dadas a priori cabendo aos seres realizá-las na sua existência como “con-formações” à forma já dada. Esta ideia de “conformação” gerou caminhos indicativos de formação das pessoas. Se a forma é previamente dada, resta conformar-se ou a ela ser conformado. Isso tem implicações para se pensar a educação. Contrariamente a esta ideia, outras posições afirmam ser a forma humana resultante da constituição ativa dos próprios seres humanos que ocorre no conjunto de relações das quais eles participam (...). O processo educativo é, de fato, o processo de constituição de seres humanos? Se a resposta é sim, há outras duas questões. Primeira: seria um processo de constituição da humanidade dos humanos? Segunda: ou seria um processo de constituição da humanidade nos humanos? Se a resposta é sim à primeira questão, a humanidade dos humanos é construída na própria prática humana do existir. Se for sim para a segunda, haveria “uma humanidade” a ser realizada, ou desenvolvida, ou ainda, a ser “imposta” a cada humano que nasce. Cada ser humano recebe uma “forma” pronta. O sim para a primeira questão indica que os humanos formam-se. O sim para a segunda indica que os humanos são formados (...). Neste texto defende-se a ideia de que nós nos formamos e somos também formados (p.4). Os seres humanos são, ao mesmo tempo, autônomos e dependentes em relação ao meio natural e cultural no qual existem (...). Os indivíduos fazem-se uns aos outros, tanto física como espiritualmente, mas não se fazem a si mesmos” (MARX e ENGELS, 1979, p. 55). A formação se dá nas relações que os humanos estabelecem, uns aos outros se fazendo, mas ninguém se fazendo sozinho, solitariamente. A formação, nesta perspectiva, é solidária. As relações são interações sociais que incluem as relações produtivas. E, também, a transmissão “de uma soma de forças de produção” e de uma “relação historicamente criada com a natureza e entre os indivíduos” que, “embora sendo em parte modificada, (...) prescreve a esta, suas próprias condições de vida e lhe imprime um determinado desenvolvimento, um caráter especial”. “... Mostra que, portanto, as circunstâncias fazem os homens assim como os homens fazem as circunstâncias” (MARX e ENGELS, 1979, p. 56) (...). As interações sociais incluem “transmissão de forças de produção” (maneiras de fazer) e “relações historicamente criadas” entre as pessoas (...). Transmissão, por parte dos mais velhos e modificação por parte das novas gerações. A transmissão prescreve, de certo modo, direções, inclusive para as modificações. Esta maneira de ver o processo formativo ou educativo indica direcionamentos e certo grau de autonomia relativamente às maneiras de ser gente (p.5). Às gerações mais velhas competem os direcionamentos. Às novas, cabe recebê-los e recriá-los, se for o caso, de acordo com as necessidades históricas (...). A produção da formação humana está sempre em processo no devir histórico. (...) Formação é um processo necessário no caso dos seres humanos. Eles nascem incompletos e necessitam completarem-se neste processo. É o que é denominado de educabilidade.  (...) Para Savater (1998, p. 29): “nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar sê-lo”. O caminho é o da educação. Kant, por sua vez, afirma: “O homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (1996, p. 15). Severino, além de afirmar a necessidade e o fato de a educação ser inevitável, aponta, como necessário para a formação humana, o desenvolvimento de certas sensibilidades (...): sensibilidade à percepção dos conceitos, sensibilidade aos valores morais, sensibilidade aos valores estéticos e sensibilidade aos valores políticos, ou seja, às relações de convivência na sociedade. sensibilidade à percepção dos conceitos, sensibilidade aos valores morais, sensibilidade aos valores estéticos e sensibilidade aos valores políticos, ou seja, às relações de convivência na sociedade. (...). Ser sensível aos valores morais é ser sensível à necessidade de normas ou regras de conduta para que todos possam viver bem em sociedade. Ao mesmo tempo é ser sensível à não imposição destas regras por parte dos mais fortes e sim à construção destas regras com base em entendimentos bem pensados; Ser sensível aos valores estéticos é ser sensível ao fato de que as pessoas são afetadas por desejos, por gostos e estes são importantes de serem satisfeitos de maneira a produzir satisfações e não destruição destes próprios seres humanos; Ser sensível aos valores políticos é ser sensível à necessidade de viver bem em sociedades justas sem dominação de poderes não legítimos. É ser sensível à necessidade do exercício de autoridade que sirva às necessidades de todos e não a interesses particularistas (p.6). Afirma-se, aqui, a necessidade da filosofia nos processos de formação das pessoas. A filosofia é uma necessidade porque é através dela que pessoas podem produzir reflexiva, crítica, metódica, profunda e abrangentemente algum significado, ou sentido, para sua existência e para a realidade de que fazem parte. E isso inclui a necessidade de produzir sentido para ações, para a busca de conhecimentos, para o esforço de dizer que algo é belo ou não, para o esforço de dizer da vida-com-os-outros e da necessidade, ou não, da regulação dessa vida em comum. Em cada momento histórico da humanidade, os sentidos são dados de alguma maneira por diversos meios, como os mitos, as religiões, a própria filosofia, as diversas crenças (p.7). Se for verdade que as referências de uma época são “dadas” por uma filosofia que se tornou ideologia, é urgente sua compreensão e o desenvolvimento da capacidade de examiná-la: reflexivamente, criticamente, metodicamente, profundamente. Ou seja, à maneira filosófica (p.8). Filosofar é uma necessidade. E, se necessidade, não é algo inútil. A fala da inutilidade da filosofia é conveniente a certos interesses particularistas. Os donos destes interesses pretendem que poucas pessoas (de preferência eles próprios) “filosofem”. E que, apenas eles, divulguem os resultados de suas reflexões “interessadas” que devem, por sua vez, ser inculcadas na grande massa em que se juntam as pessoas (...). Daí a reserva de domínio do filosofar para os poucos que sempre supõem a “incompetência” de todos os outros para o filosofar (...). Se toda forma de educação visa à formação humana; Se a formação humana implica a capacidade de atribuir ou produzir significações; Se a filosofia é a forma de conhecimento específica para esta produção; então, é forçoso concluir pela necessidade da filosofia no processo educacional ou na formação humana. Especialmente na formação de educadores. (p.9).

2.

Marcos Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 6 - A Filosofia que pensa a Educação II

Escolhemos ser pais e escolhemos ser professores. Nas duas situações, escolhemos ser educadores e isso nos traz responsabilidades. Arendt refere-se a isso da seguinte maneira: “Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças, e é preciso proibi-la de tomar parte em sua educação” (1972, p. 239) (...). Kant, por exemplo, no livro “Sobre a pedagogia” (1996, p. 11), diz: “o homem é a única criatura que precisa ser educada. Por educação entende-se o cuidado de sua infância (a conservação, o trato), a disciplina e a instrução com a formação” (p.2) “... o homem não pode tornar-se um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz” (idem, p. 15) (...). Savater, no livro “O valor de educar” diz que “nascemos humanos, mas isso não basta: temos também que chegar a sê-lo” (1998, p. 29). Para isso, é necessária a educação (...). Kant fala em “dar uma forma conveniente ao humano” (1996, p. 17) (...). Para Kant, uma educação conveniente é aquela que inclui o cuidado, a disciplina e a instrução com formação: “o homem tem necessidade de cuidados e de formação. A formação compreende a disciplina e a instrução” (1996, p. 14) (...). A formação é: 1. negativa, isto é, disciplina, a qual impede os defeitos; 2) positiva, isto é, instrução e direcionamento e, sob este aspecto, pertence à cultura. O direcionamento é a condução na prática daquilo que foi ensinado. Daqui nasce a diferença entre o professor, o qual é simplesmente um mestre, e o orientador [governante], o qual é um guia. O primeiro, ministra a educação da escola; o segundo, a da vida (KANT, 1996, p. 30-31). (...) Para este filósofo, a formação humana inclui a disciplina que é negativa porque “impede ao homem de desviar-se do seu destino, de desviar-se de sua humanidade” (idem, p. 12); e inclui a instrução ou a cultura – “pois que assim pode ser chamada a instrução” (idem, p. 16). E ele continua: “Quem não tem cultura de nenhuma espécie é um bruto; quem não tem disciplina ou educação é um selvagem” (Idem, p. 16). Para ele, a cultura abrange a instrução e, talvez por essa razão, ela envolve um trabalho professoral de informação, que ele denomina também de escolástico (próprio da escola) e de direção, de governança [orientação] ou de guia para a vida. A formação humana torna o homem humano (...). Marx e Engels veem a formação humana como uma construção coletiva e histórica e que ocorre a partir de elementos naturais dados. “O pressuposto de toda a história humana é naturalmente a existência de indivíduos humanos vivos. O primeiro fato a constatar é, pois, a organização corporal destes indivíduos e, por meio disto, sua relação dada com o resto da natureza” (1979, p. 27) (...). Os seres humanos produzem as condições materiais de suas existências que percorrem alguns caminhos: o (p.3) primeiro momento do caminho, “primeiro ato histórico” [p. 39], é o da produção dos meios que permitem a satisfação das necessidades de “comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais” [p. 39]. Algo que “deve ser cumprido todos os dias e todas as horas” (Idem, p. 39) (...). Decorre daí, ainda segundo Marx e Engels, o processo de produção coletiva da vida que adquire as mais diversas formas historicamente. Os seres humanos vivem e formam-se como humanos no trabalho, ou seja, nas relações de produção que implicam em relações sociais (...). A fala sobre as novas gerações (modificadoras das relações já instituídas pelas anteriores e, ao mesmo tempo, receptoras de prescrições destas advindas) relaciona-se a ideias de Arendt contidas no livro “Entre o passado e o futuro” (1972) (...). O fato de nascerem crianças e de elas necessitarem da ajuda educacional dos adultos para se tornarem humanas torna obrigatória e justifica a ação educativa (p.4). Daí deriva a autoridade do educador – que a deve assumir em nome de três necessidades: as das próprias crianças, a da preservação do mundo humano e a de se poder contar com os jovens bem formados para que tragam novidades boas para as necessárias modificações que o mundo humano requer (p.5).

A seguir, algumas indicações para possíveis leituras. São livros que tratam de ideias de alguns filósofos sobre a educação (p.6):

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. Editora Moderna, 2006.
DOZOL, Marilene de Souza. Rousseau. Educação: a máscara e o rosto. Petrópolis: Vozes, 2006.
GALLO, Sílvio. Deleuze e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
HOURDAKIS, Antoine. Aristóteles e a educação. trad. Luiz Paulo Rouanet. São Paulo: Loyola, 2001.
KOHAN, Walter Omar. Sócrates e a educação. O enigma da filosofia. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
LAGO, Clênio. Llocke e a educação. Chapecó, SC: Argos, 2002.
NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
PAVIANI, Jayme. Platão e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.
PINHEIRO, Celso de Morais. Kant e a educação: reflexões filosóficas. Caxias do Sul, RS: Educs, 2007.
PISSARA, Maria Constança Peres. Rousseau: a política como exercício pedagógico. São Paulo: Moderna, 2002.
SCOLNICOV, Samuel. Platão e o problema educacional. São Paulo: Loyola, 2006.
VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

3.

Marcos Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 7 - Antropologia e Educação I

Antropologia Filosófica e Educação

A Antropologia Filosófica é a área da Filosofia que investiga o Ser Humano. A palavra antropologia deriva de “anthropos”, do grego, que quer dizer ser humano, englobando aí o ser humano masculino (andrós) e o feminino (guiné). A Antropologia Filosófica busca saber do ser do humano. Trata-se da busca por respostas a diversas perguntas como: O que é o Ser Humano? Ele é um ser dotado de uma essência ou natureza especial? Ele é um ser diferente dos demais seres da natureza? Em que ele é diferente? Há algum sentido para a existência humana? Se há, qual seria este sentido? O ser humano “se faz”, ou é um ser determinado pela sua essência ou pela sua natureza? Como entender algumas características do ser humano como: a linguagem; o pensamento articulado; a sociabilidade; o trabalho transformador da natureza; a produção de cultura; a busca pelo transcendental; a educabilidade; etc.? (p.3-4). Há diversas respostas para estas questões produzidas pela reflexão filosófica ao longo da história do pensamento humano. Algumas são denominadas de racionalistas, outras de cientificistas, outras podem ser denominadas de essencialistas, outras de materialistas (...). Toda proposta educacional tem como um de seus pressupostos alguma concepção de ser humano; [portanto,] alguma Antropologia Filosófica. Para a posição racionalista sobre o ser humano, o que mais distingue o homem dos demais animais é o fato de que ele é um ser racional. Essa visão tem sua origem na filosofia grega (Sócrates, Platão, Aristóteles), passa pela Escolástica Medieval, pela Filosofia Moderna e chega até nossos dias. Para a posição cientificista a respeito do ser humano, ele e todas as suas atividades são determinadas pelas leis da Física, da Química, da Biologia. O ser humano é visto como a mais complexa forma de vida e pode ser entendido pelas mesmas leis que governam todos os outros seres da natureza. Ele é fundamentalmente um “ser da natureza” (p.4). Significa afirmar que tudo pode ser entendido ou explicado somente com os recursos das ciências. Outras formas de conhecimento não são reconhecidas como capazes de produzir explicações e entendimentos confiáveis, inclusive sobre o ser humano. Quem tem esta posição pensa a educação orientada apenas por conhecimentos científicos (...). Para a denominada posição essencialista, o ser humano possui uma essência já dada (ou uma natureza) que o define com suas características básicas, as quais não se modificam no decorrer do tempo. Elas são apenas desenvolvidas ao longo da existência. Dependendo do grau desse desenvolvimento, cada ser humano é considerado mais perfeito. Uma grande dificuldade, própria dessa posição, reside na definição das características essenciais do ser humano (p.5).

Posições materialistas sobre o ser humano

Ter uma concepção materialista da realidade e do ser humano significa afirmar que tudo o que existe é matéria ou decorrência dela. O ser humano é um corpo material e, como tal, ele participa da realidade material obedecendo as suas leis. [Destaque para] dois tipos de materialismo: Materialismo mecanicista: afirma que toda a realidade material, inclusive o ser humano, está constituída de tal forma que nela não há mudanças. Tudo funciona guiado por leis fixas e perenes que nunca se modificam. Tudo funciona como um grande mecanismo. Materialismo histórico social, materialismo dialético ou, ainda, materialismo histórico-dialético. Afirma que a realidade e o ser humano são materiais, mas ambos em processo de contínua construção e reconstrução. Tudo está em devir: tudo está tornando-se uma outra realidade, ou uma outra maneira de ser. Isso significa afirmar que há uma história: daí o nome de materialismo histórico. E, nesta história, tudo vai ocorrendo. Tudo, inclusive a vida humana e, derivada dela, a formação dos seres humanos. O ser humano é produzido (ou se produz?) nesta história, isto é, nas relações que acontecem nela. E tudo o que ocorre, ocorre numa luta contínua de contrários presentes nesta realidade e, por conseguinte, no ser humano que dela faz parte. Daí o adjetivo dialético unido às duas outras palavras: materialismo histórico e dialético (p.5-6).

4.

Marcos Antônio Lorieri. Filosofia da Educação - Aula 8 - Antropologia e Educação II

Consequências de concepções filosóficas sobre o ser humano para a educação

Para a visão racionalista sobre o ser humano, o que distingue o homem dos demais animais é o fato de que ele é um ser racional. Quando se pensa assim sobre o ser humano, como deve ser sua educação? Se a principal característica do ser humano é a racionalidade (...), esta característica deve merecer uma atenção especial na formação (educação) de crianças e jovens. E isso ocorre, pois, esta concepção, que vem desde os gregos, esteve presente na época medieval, continua na época moderna e está presente muito fortemente até nossos dias – e impacta fortemente a educação escolar. As principais atividades educacionais que são oferecidas nas escolas se reportam ao cognitivo, ao desenvolvimento intelectual, à aprendizagem de conhecimentos. Tudo relacionado à racionalidade. Errado? Não! Mas, insuficiente (p.20). Apesar de a ênfase ainda ser grande na racionalidade, outros aspectos do humano têm sido objeto de preocupação dos educadores escolares. Aspectos como os corporais (Educação Física e de componentes relativos aos cuidados com a saúde), como os da afetividade, como os da vida social ou da sociabilidade e como os estéticos – estes últimos levando à introdução da Educação Artística nas escolas –, têm merecido, também, alguma atenção. Quando uma concepção reduz o humano predominantemente a um de seus aspectos, diz-se que esta concepção é reducionista; [assim], uma proposta educacional, nela baseada, torna-se também reducionista; isto é, atende apenas a uma parte reduzida da formação humana (p.2-3). A concepção cientificista sustenta que [o ser humano] e suas atividades são determinadas pelas leis da Física, da Química, da Biologia, ou seja, por características estudadas por estas ciências nos seres da natureza, incluindo aí os seres humanos. Uma boa educação, segundo propostas educacionais baseadas nesta concepção, é aquela que privilegia os aspectos denominados “naturais” do humano – entendidos como aqueles que dizem respeito ao bom “funcionamento” de seus aspectos bio-físico-químicos. Estas propostas tomam como referência para as ações educativas apenas os conhecimentos científicos e, muitas vezes, apenas os conhecimentos das denominadas ciências da natureza. Não deixam de ser, também, posições educacionais reducionistas. Uma educação pensada apenas a partir destas referências cientificistas é denominada de educação naturalista. Não contam muito, aí, os aspectos emocionais, estéticos e os do “espírito” – seja qual for a concepção que se tenha de espírito. E, muitas vezes, nem mesmo os da sociabilidade. Menos ainda os aspectos relacionados a uma educação para valores morais. Na concepção essencialista, o ser humano possui uma essência já dada (ou uma natureza) que o define com suas características básicas. Essas características devem ser desenvolvidas ao longo da existência de cada pessoa – que deve receber ajuda educacional com vistas a este desenvolvimento. Parte-se de uma ideia de essência humana ou de um modelo de ser humano. Educar, nesta visão, é auxiliar no desenvolvimento das características básicas presentes neste modelo idealizado de ser humano. Diz-se “modelo idealizado” porque ele não toma por base a existência humana concreta, tal como acontece historicamente, e, sim, toma por base uma ideia, uma imagem pensada de ser humano a qual deve ser tomada como modelo a ser alcançado através da educação. Uma pessoa será tanto melhor educada quanto mais se aproximar deste modelo ou essência humana (p.3). Quanto melhor cada um realizar, em si mesmo, a essência humana, ou a natureza humana, tanto melhor ser humano ele será (p.3-4). Há um complicador nesta visão: épocas, sociedades, grupos de pessoas, têm ideias diferentes de qual é a essência ou a natureza humana. Além disso, a ideia dominante, em alguma época ou sociedade, a respeito de como deve ser um ser humano acaba servindo como instrumento de dominação: todos devem ser daquela forma, ou... “fôrma”. Quem não for assim, será visto como um “diferente”, não normal, desajustado, a ser evitado, excluído ou marginalizado. As diferenças, as originalidades, são banidas ou combatidas. Quando se tem em vista uma única forma de ser gente (uma essência ou uma natureza) a diversidade é negada. Daí são originados muitos preconceitos e, com base neles, muitas atrocidades são cometidas. Inclusive nas escolas (p. 4). Ter uma concepção materialista significa afirmar que tudo o que existe é matéria ou decorrência dela. E isso vale, também, para o ser humano. 1. Materialismo mecanicista: afirma que toda a realidade material, inclusive o ser humano, está constituída de tal forma que nela não há mudanças. Tudo funciona de acordo com leis fixas e perenes que nunca se modificam. Tudo funciona como um grande mecanismo. Educar, neste caso, é adaptar os educandos a um mundo já dado. É adaptá-los às leis naturais, ao funcionamento mecânico da natureza e da sociedade. Não se educa para a transformação. Educa-se apenas para a conservação e, muitas vezes, em nome desta visão, para a simples adaptação. 2. Materialismo histórico-dialético: para este tipo de materialismo, a realidade e, nela, o ser humano, estão em processo de contínua construção e reconstrução. Tudo está em devir. Isso significa afirmar que há uma história que ocorre numa luta contínua de contrários: daí a denominação materialismo-histórico-dialético. Este devir é um movimento de intensas e múltiplas relações no interior das quais tudo resulta (p. 4). No embate entre o já feito e as novas contribuições dos novos atores, o mudo humano caminha no seu constituir-se histórico. Esta maneira de pensar o ser humano indica que à educação não cabe ajudar os educandos a desenvolverem uma essência ou uma natureza já dada e sim cabe-lhe tomar ciência das relações nas quais eles estão envolvidos, propor-lhes análises críticas das mesmas e, se for o caso, propor-lhes novas relações que os ajudem a realizar-se (...). [Em conclusão:] há sempre uma visão ou perspectiva antropológica presente nas propostas educacionais. Cabe ao educador, no mínimo, tomar ciência dela, proceder à sua análise crítica e tomar decisão quanto a querer ou não trabalhar na direção por ela apontada (p.5).


2 comentários:

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Daniel disse...

Obrigado. Me ajudou oportunamente. Deus o abençoe.